Liberdade Após a Dor
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Capítulo 4

A minha resposta pegou Pedro de surpresa.

Ele me olhou, os olhos semicerrados, procurando por algum sinal de sarcasmo ou raiva contida. Ele esperava uma briga, uma acusação, lágrimas.

Mas não encontrou nada.

Meu rosto estava calmo. Minha voz, firme.

Carla, no entanto, não perdeu tempo. Ela puxou o braço de Pedro com mais urgência.

"Pedro, vamos rápido! O Rex está sofrendo!"

Sob a insistência ansiosa dela, Pedro não pensou muito mais. Ele lançou-me um último olhar desconfiado e depois se virou.

Ele ajudou Carla a se levantar e a levou em direção ao seu jipe, que estava estacionado em um terreno mais alto.

Eu o observei colocar Carla cuidadosamente no banco do passageiro e depois o cachorro, Rex, no banco de trás. Ele nem olhou para trás uma vez.

O barulho do motor do jipe ligando foi o som da minha libertação.

Enquanto o carro se afastava, levantando respingos de lama, eu finalmente me permiti sentir a extensão da dor.

Não a dor emocional da rejeição, pois essa já estava anestesiada por sete anos de sofrimento.

Mas a dor física.

Era uma cólica terrível, uma pressão intensa no meu baixo ventre.

Eu me virei lentamente, com dificuldade, e olhei para a parte de trás da minha saia.

O tecido claro estava manchado.

Manchado com uma quantidade assustadora de sangue vermelho vivo, que se misturava com a lama e a água suja.

O mundo pareceu girar.

O bebê.

Na vida anterior, eu não sabia. Eu só descobri a gravidez semanas depois da enchente, quando já era tarde demais e eu tinha sofrido um aborto espontâneo por causa do estresse, do frio e da negligência.

Desta vez, a colisão com o barco acelerou o inevitável.

Alguém que Pedro havia chamado, um vizinho, finalmente chegou com uma bicicleta velha. Ele me olhou com pena.

"A senhora está bem? O Pedro me pediu para te levar ao posto de saúde."

Eu mal conseguia falar. Apenas assenti, a dor me roubando as forças.

Chegar ao hospital foi um borrão de dor e medo. Cada solavanco da bicicleta na estrada esburacada era uma nova onda de agonia.

Quando finalmente cheguei, eu mal conseguia andar.

O médico me examinou com uma expressão séria. O ultrassom confirmou meu pior medo.

Ele olhou para mim com compaixão, mas suas palavras foram diretas e finais.

"Sinto muito. Você sofreu um trauma abdominal grave e perdeu muito sangue. Era tarde demais. O bebê não pôde ser salvo."

Aquelas palavras, embora esperadas, caíram sobre mim como uma sentença.

O filho que eu nem tive a chance de conhecer na vida passada. O filho que, no futuro, me odiaria por não ser filho de Carla.

Ele se foi.

Desta vez, ele nunca existiria.

O vínculo final que me prendia a Pedro, a possibilidade de um futuro que nunca se concretizou, foi rompido para sempre.

Eu fiquei deitada na cama do hospital, o corpo doendo, o coração vazio.

Era um tipo diferente de luto. Um luto por algo que eu já havia perdido uma vez, mas que agora perdia de uma forma muito mais brutal e definitiva.

Horas depois, Pedro apareceu.

Ele entrou no quarto com um ar de quem cumpriu um dever difícil. Ele carregava uma sacola de uma loja de bebê cara.

Ele a colocou na mesinha de cabeceira com um suspiro.

"O Rex está bem. Era só um susto," ele disse, sem me olhar nos olhos. "Eu sei que você está com raiva, mas a Carla estava desesperada. Para compensar, eu passei na loja e comprei isso para ela. Para o bebê dela. Sei que você vai gostar de entregar."

Ele achava que estávamos no mesmo roteiro da vida passada. Ele achava que a gravidez de Carla tinha sobrevivido. Ele comprou um presente para o bebê de Carla, para me usar como mensageira da paz, para aliviar sua própria culpa.

O nível de sua desconexão com a realidade era quase cômico.

Eu olhei para a sacola. Dentro, visível através do papel de seda, havia um pequeno macacão de lã, caro e delicado.

Eu não senti nada. Nem raiva, nem tristeza. Apenas um vazio gelado.

"Pedro," eu disse, minha voz soando distante até para mim.

"Você disse que me levaria ao hospital. Você prometeu."

Ele finalmente olhou para mim, um brilho de culpa em seus olhos.

"Eu sei, e eu sinto muito. As coisas saíram do controle."

"Você faria qualquer coisa para compensar, certo?" eu continuei, com a voz monótona.

Ele pareceu aliviado por eu estar disposta a negociar.

"Sim, claro. Qualquer coisa. O que você quer?"

Eu o encarei, meus olhos fixos nos dele, certificando-me de que ele entendesse a seriedade do que eu estava prestes a dizer.

"Eu quero o divórcio. Assine os papéis, e estaremos quites. Você não me deverá mais nada."

                         

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