Cem Dias Para Mudar o Destino
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Capítulo 1

"Ana, acorda, a gente vai se atrasar."

A voz de João Pedro soou fria e distante, sem nenhum traço da gentileza que ele costumava ter.

Abri os olhos devagar, a luz do sol que entrava pela janela do quarto me incomodou um pouco, senti a cabeça pesada e o corpo estranho, como se não fosse meu. Olhei para João, ele já estava de pé, vestido com um terno escuro que o deixava ainda mais sério, seu rosto não tinha expressão, apenas uma impaciência contida. Ele me olhava com uma frieza que eu não via há muito tempo.

Olhei em volta, era o nosso antigo apartamento, o lugar onde moramos no primeiro ano de casados, mas tudo parecia novo, as paredes brancas, os móveis intactos. Olhei para o calendário na parede, a data marcada em vermelho me fez prender a respiração, era o dia em que fomos ao cartório registrar nosso casamento, dez anos atrás.

Eu voltei no tempo.

Eu realmente voltei para o dia que selou minha infelicidade e a tragédia dele.

Uma imagem terrível invadiu minha mente, tão nítida que parecia estar acontecendo de novo. O som de pneus cantando no asfalto molhado, o barulho ensurdecedor do metal se contorcendo, e o corpo de João voando antes de cair no chão com um baque surdo. Lembro do cheiro de chuva e sangue misturados, do calor da vida dele se esvaindo enquanto eu o segurava em meus braços, impotente. Ele tinha me empurrado para fora do caminho do carro desgovernado, me salvando, mas se sacrificando. Seu último olhar não foi para mim, mas para o nada, cheio de um arrependimento que na época eu não entendi.

Ele morreu no nosso décimo aniversário de casamento. Morreu infeliz, preso a mim por uma década.

Naquela vida, eu pensei que o amor dele por mim era a coisa mais certa do mundo, mas eu estava errada. O amor dele nunca foi meu, pertencia a outra pessoa, Ana Clara, uma colega de faculdade dele, uma mulher vibrante e cheia de vida, tudo o que eu não era. Ele só se casou comigo por causa de uma promessa que fez ao meu pai no leito de morte dele, uma promessa de cuidar de mim para sempre. E ele cumpriu, ao custo da própria felicidade. Ele viveu uma vida de mentiras, sorrindo para mim durante o dia e olhando para a foto dela no celular durante a noite, quando achava que eu estava dormindo.

A dor no meu peito era real, uma pontada aguda de arrependimento e tristeza. Eu desperdicei a vida dele. Eu o sufoquei com meu amor egoísta.

"João," eu disse, a voz saindo falha. "Não vamos."

Ele se virou, a testa franzida em confusão.

"O que você disse? Anda logo, Ana, seus pais já devem estar esperando a gente no cartório."

"Eu não vou me casar com você," repeti, agora com mais firmeza, sentando na cama. "Vamos cancelar tudo."

Ele me olhou como se eu tivesse enlouquecido, uma faísca de irritação surgiu em seus olhos.

"Você tá brincando? A gente já adiou isso por tempo demais por causa do luto do seu pai, não podemos simplesmente cancelar tudo agora, o que eu vou dizer para os seus pais?"

"Diga a verdade," eu insisti. "Diga que eu não quero mais, que eu mudei de ideia."

Ele se aproximou da cama, sua sombra me cobrindo.

"Ana, para com isso, é só nervosismo pré-casamento, vai passar."

Ele não entendia, ele não podia entender. Para ele, esse era um dever a ser cumprido, um fardo que ele carregava com resignação. Ele não me amava, e agora, com essa segunda chance, eu não podia forçá-lo a viver aquela mentira de novo.

Ele pegou o celular na mesa de cabeceira para ver as horas, e a tela se acendeu. A foto de bloqueio era ela, Ana Clara, sorrindo radiantemente em um dia de sol. O olhar de João para a tela, mesmo que por um segundo, foi cheio de uma saudade e um amor que ele nunca, nem por um momento, dirigiu a mim. Meu coração se partiu de novo, como se estivesse revivendo cada noite em que o vi olhando para aquela mesma foto.

Ele percebeu que eu vi, e rapidamente bloqueou o celular, um constrangimento palpável no ar.

Respirei fundo, a decisão se solidificando dentro de mim como concreto. Eu não ia assinar aquele papel, não desta vez. Eu o libertaria, mesmo que isso me destruísse.

No cartório, a atmosfera era tensa. Meus pais sorriam, alheios à tempestade dentro de mim. João estava ao meu lado, rígido e silencioso. Quando o oficial nos entregou a certidão e a caneta, minhas mãos tremiam. João assinou rapidamente, sem hesitar. Então foi a minha vez.

Peguei a caneta, o plástico frio contra meus dedos. Olhei para o espaço em branco onde meu nome deveria estar. Olhei para João, que me encarava com uma expressão indecifrável. Olhei para meus pais, radiantes.

E então, em vez de assinar meu nome, eu escrevi em letras grandes e claras na linha: "EU NÃO ACEITO."

O silêncio que se seguiu foi absoluto, antes do caos explodir.

            
            

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