As palavras dela eram como sal na minha ferida aberta. Eles não viam a verdade, mesmo que estivesse bem na frente deles. O amor de João era uma performance, uma obrigação. Na vida passada, eu acreditei nessas mesmas palavras, nesses mesmos conselhos, e eles me levaram a uma década de um casamento unilateral e a um final trágico. A realidade era cruel e inegável, e eu não podia mais ignorá-la.
Meu coração estava pesado, mas minha determinação era de ferro. Um dos desejos de João era ser livre para ficar com Lúcia. E, para isso, eu precisava que meus pais, a maior fonte de pressão sobre ele, o libertassem também. Eu tinha que convencê-los, de qualquer maneira.
Respirei fundo, preparando-me para a mentira mais importante da minha vida.
"Eu tive um sonho," comecei, a voz baixa e assustada. "Um pesadelo, na verdade."
Eles me olharam, confusos.
"Ontem à noite, eu sonhei que me casava com o João," continuei, injetando medo na minha voz. "E foi horrível. No sonho, ele era infeliz, vivia triste, amargurado, ele me culpava por ter desistido dos sonhos dele, por tê-lo prendido."
Eu descrevi com detalhes vívidos a vida que tivemos. Descrevi a falta de brilho em seus olhos, seu silêncio nos jantares, suas saídas noturnas misteriosas. E então, descrevi o final.
"No sonho... ele... ele morria," gaguejei, as lágrimas agora genuínas ao lembrar da cena real. "Ele morria em um acidente de carro, no nosso décimo aniversário de casamento, porque estava infeliz, porque se sentia preso a mim. E a culpa era toda minha."
Meus pais ficaram pálidos, o horror estampado em seus rostos.
"Filha, isso é só um pesadelo," meu pai disse, mas sua voz não tinha a mesma certeza de antes.
"Não, pai, foi mais que isso," eu insisti. "Foi um aviso. Eu não posso ser a causa da infelicidade dele, eu não posso ser a causa da morte dele. Eu o amo demais para isso."
Minha mãe, sempre mais supersticiosa, estava visivelmente abalada.
"O sonho parecia tão real," eu continuei, aproveitando a hesitação deles. "Eu vi o rosto dele, a dor nos olhos dele. Ele não quer se casar comigo, ele quer ser arquiteto, não advogado, ele quer viver em outro lugar, não aqui."
Eu comecei a listar as coisas que sabia que João realmente queria, as coisas que li em seu diário. Mencionei seu amor pela arquitetura, seu desejo de viajar, a paixão que ele tinha por projetos que nunca saíram do papel. Coisas que meus pais, em sua visão limitada do que era "bom" para nós, nunca tinham percebido ou valorizado.
"E ele ama outra pessoa," eu disse, a frase final saindo como um sussurro doloroso. "Ele ama a Lúcia."
Meus pais se entreolharam, chocados. Eles conheciam Lúcia, a "melhor amiga" de João. Eles nunca gostaram dela, sempre a acharam muito "liberal" para o seu círculo.
"Ele só se casou comigo no sonho por causa da promessa que fez ao senhor," eu disse, olhando para o meu pai. "Ele se sentiu obrigado a cuidar de mim, e essa obrigação o matou."
Eu me levantei, colocando toda a dor e o arrependimento que sentia em minhas palavras.
"A culpa é minha," eu disse, assumindo a responsabilidade por tudo. "Eu o forcei a uma vida que ele não queria. Eu fui egoísta. Se vocês o amam como dizem que amam, se vocês me amam, por favor, deixem-no ir. Deixem-no ser feliz."
O peso daquela mentira, que era na verdade a mais pura verdade, pairava no ar. Eu tinha plantado a semente da dúvida, a semente do medo. Agora, era só esperar que ela germinasse.