[Compreendido. O sistema lhe proporcionará uma experiência final confortável. A dor associada à sua doença terminal será suprimida durante os próximos dez dias. Desfrute de sua última jornada.]
"Confortável?", ri amargamente. Não havia conforto para a dor que eu sentia no peito.
Lembrei-me da minha infância.
Ricardo, meu irmão, sempre foi o favorito. Ele era talentoso, charmoso e saudável. Eu, por outro lado, era quieto, desajeitado e sempre doente.
Uma vez, quando tínhamos uns dez anos, nós dois caímos de uma árvore. Ricardo quebrou um braço. Eu apenas ralei o joelho.
Meus pais correram para o hospital com Ricardo, em pânico. Eles me deixaram para trás, sentado na calçada, com o joelho sangrando.
"Tonho, você é forte, aguenta firme", minha mãe disse, sem nem olhar para trás. "Precisamos cuidar do seu irmão."
Naquela noite, a febre me consumiu. Fiquei de cama por uma semana, delirando. Meus pais mal entraram no meu quarto. Toda a atenção deles estava em Ricardo e seu gesso autografado pelos amigos.
Essa foi a história da minha vida. Sempre em segundo plano, sempre o sacrifício conveniente.
Casei-me com Clara para pagar uma dívida que meu pai fez em nome da empresa da família, uma dívida que ameaçava arruinar o futuro "brilhante" de Ricardo.
Meus pais me disseram que era meu dever. "Você deve isso à sua família, Antônio. Ricardo tem uma carreira promissora. Você não pode deixá-lo ser arrastado para baixo por isso."
E eu, como o tolo leal que sempre fui, concordei.
Mas agora, chega.
A lealdade, a bondade, o sacrifício... não me trouxeram nada além de dor e humilhação.
Se eu só tenho dez dias, vou vivê-los por mim.
"Sistema", eu disse, ligando o carro. "Onde está a boate mais cara e decadente do Rio?"
[Calculando... O destino foi definido.]
O GPS do carro acendeu, mostrando um caminho para a Zona Sul.
Dirigi pelas ruas, a cidade passando como um borrão. O cheque de cinquenta milhões de reais estava no banco do passageiro.
Uma hora depois, estacionei em frente a uma boate exclusiva. A música pulsava lá dentro, uma batida alta e hedonista.
Entreguei a chave para o manobrista e entrei.
O lugar era um turbilhão de luzes, som e corpos suados. Modelos, celebridades e empresários se misturavam, bebendo champanhe como se fosse água.
Fui direto para o bar.
"Uma garrafa do seu champanhe mais caro", eu disse ao barman, jogando um maço de notas no balcão.
Ele me olhou de cima a baixo, notando minhas roupas simples. Mas o dinheiro falou mais alto.
Momentos depois, uma garrafa dourada estava na minha frente.
Subi em uma pequena plataforma no centro da pista de dança, segurando a garrafa.
"Atenção, pessoal!", gritei, minha voz amplificada pelo sistema de som que eu não sabia como controlar. "Hoje é o primeiro dia da minha nova vida! A bebida é por minha conta!"
A multidão aplaudiu, sem saber ou se importar quem eu era.
Comecei a derramar o champanhe caro no chão, um ato de puro desperdício.
De repente, senti uma mão no meu braço.
Virei e vi Clara. Seu rosto estava contorcido de raiva. Sofia estava ao seu lado, olhando para mim com desprezo.
"O que você pensa que está fazendo, Antônio?", ela sibilou. "Eu disse para você desaparecer! Não para fazer uma cena!"
"Estou apenas gastando meu dinheiro do divórcio", respondi, dando de ombros. "Você disse que era para eu viver no luxo, não disse?"
"Você está fazendo isso para me provocar! Para envergonhar o Ricardo!", ela acusou.
"Ricardo? Ah, claro. Tudo é sempre sobre o Ricardo", eu disse, um sorriso frio no rosto. "Não se preocupe, Clara. Eu não estou nem um pouco interessado no seu precioso Ricardo. Na verdade, a partir de hoje, eu não estou interessado em nenhum de vocês."
"Papai, você é um perdedor", disse Sofia, sua vozinha cortando o barulho. "Você tem inveja do tio Ricardo porque ele é um sucesso e você não é nada."
Eu olhei para ela, a criança que eu criei. Não senti nada. A dor tinha dado lugar a um vazio gelado.
"Talvez você esteja certa, Sofia", eu disse calmamente. "Mas um perdedor com cinquenta milhões de reais. E eu pretendo gastar cada centavo fazendo exatamente o que eu quero, quando eu quero. E se isso incomoda vocês, ótimo."
Virei as costas para elas e levantei a garrafa para a multidão, que aplaudiu novamente.
Clara me puxou pelo braço mais uma vez, seus olhos faiscando. "Você vai se arrepender disso, Antônio."
"Eu duvido muito", respondi, soltando meu braço. "Eu não tenho mais nada a perder."
Ela me olhou, talvez percebendo pela primeira vez que algo em mim havia mudado para sempre. Ela parecia desconcertada, incerta. Com um último olhar de fúria, ela pegou a mão de Sofia e se afastou, desaparecendo na multidão.
A festa continuou. Eu bebi, dancei e joguei dinheiro fora como se não houvesse amanhã. E para mim, de fato, não havia muitos.
As pessoas me cercaram, atraídas pelo dinheiro fácil. Eu sabia que eram superficiais, mas não me importava. Era exatamente o tipo de companhia que eu queria.
Meu celular tocou. Era um número desconhecido. Atendi.
"Antônio! O que diabos você está fazendo?" Era a voz raivosa do meu pai. "Vimos as notícias! Você está tentando arruinar o nome da nossa família? Pense no seu irmão! A carreira dele está em um momento crucial!"
"Olá, pai", eu disse, minha voz arrastada pela bebida. "Não se preocupe. Depois de hoje, ninguém vai mais associar meu nome ao de vocês."
"É bom mesmo! Você sempre foi uma decepção, mas isso é demais!", ele gritou.
Eu ri e desliguei na cara dele.
Olhei para o meu reflexo no espelho escuro atrás do bar. O homem que me encarava era um estranho.
"Sistema", murmurei. "Cancele todos os meus cartões de crédito e contas bancárias conjuntas. Transfira todo o dinheiro do cheque para uma conta nova, só minha."
[Processando. Tarefa concluída.]
Eu precisava garantir minha independência financeira para os meus últimos dias. Ninguém mais teria controle sobre mim.