"O que você está fazendo aqui, papai?", ela perguntou, sua voz fria.
"Eu vim pegar algumas coisas, Sofia", respondi, tentando manter a calma.
"Você não pode entrar", disse ela, firme. "O tio Ricardo está aqui. Ele está compondo uma nova música para a mamãe. Você não pode perturbá-lo."
Fiquei chocado. Ricardo, no meu antigo apartamento? O lugar que guardava as minhas memórias, a minha identidade antes de Clara?
Eu senti uma onda de tristeza e raiva. "Sofia, este apartamento ainda é meu. Eu só preciso de cinco minutos."
"Não! Você não é bem-vindo aqui!", ela gritou, seus olhos se enchendo de lágrimas de raiva. "Você é um fracassado! O tio Ricardo disse que você nunca conseguiu nada na vida! Vá embora!"
Suas palavras me atingiram em cheio. Um fracassado. Era isso que eu era para todos eles.
Eu olhei para a porta fechada atrás dela. Eu podia ouvir os acordes suaves de um violão. A música de Ricardo.
Eu não discuti. Não havia mais forças.
"Tudo bem, Sofia", eu disse, minha voz baixa. "Eu não vou entrar."
Virei as costas e fui embora, deixando para trás a última parte de mim que ainda existia antes de tudo isso.
A dor era insuportável. Eu precisava de uma distração, de algo para preencher o vazio.
Fui ao banco e saquei uma grande quantia de dinheiro.
Com o dinheiro no bolso, comecei uma maratona de gastos.
Comprei um carro esportivo de luxo, um modelo vermelho chamativo. Contratei um iate e dei uma festa para estranhos no meio da Baía de Guanabara. Frequentei os restaurantes mais caros, pedindo os pratos mais exóticos, mas a comida não tinha gosto.
Eu estava em todos os lugares, gastando dinheiro de forma imprudente, uma figura de excesso e decadência. E eu sabia que cada movimento meu era noticiado, comentado, julgado. Mas eu não encontrava alegria em nada daquilo. Era apenas um movimento vazio, uma forma de passar o tempo até o fim.
Uma manhã, o telefone do meu quarto de hotel tocou. Eu ignorei, mas ele continuou tocando insistentemente.
Atendi, irritado.
"Senhor Silva? Aqui é da escola da Sofia. Ela está com febre alta e precisa ser buscada."
Por um momento, a irritação deu lugar a um velho hábito. A preocupação de pai. Por cinco anos, era sempre eu quem cuidava de Sofia quando ela ficava doente. Eu sabia exatamente que remédio dar, que comida preparar, como acalmá-la.
Mas então me lembrei das palavras dela. "Você é um fracassado."
"Eu não sou mais o responsável por ela", respondi friamente. "Liguem para a mãe dela, Clara Mendes, ou para o tio dela, Ricardo Silva."
Desliguei o telefone.
Minutos depois, meu celular tocou. Era Clara.
"Antônio, o que você fez?", ela gritou, sua voz cheia de fúria. "A escola me ligou! Sofia está doente e você se recusa a buscá-la? Que tipo de pai é você?"
"O tipo de pai que foi dispensado", respondi, impassível. "Você não disse que Ricardo seria o novo pai dela? Deixe o 'pai incrível' cuidar dela. Ele deve ser bom nisso também, não é?"
"Ricardo está ocupado com o lançamento do novo álbum dele! Ele não pode ser incomodado com isso!", ela retrucou. "É sua responsabilidade!"
"Não é mais", eu disse. Meu coração parecia ter se transformado em pedra. A dor, a preocupação, tudo estava se tornando entorpecido. "Eu estou curtindo minhas férias. Não me incomode."
Desliguei antes que ela pudesse responder.
Eu sabia que minhas ações eram cruéis, mas eu não conseguia sentir nada além de um cansaço profundo. Eu estava apenas devolvendo uma fração da dor que eles me causaram.
Naquela tarde, quando saí do hotel, fui cercado por repórteres.
"Antônio, é verdade que você abandonou sua filha doente?"
"Você está fazendo tudo isso por ciúmes do seu irmão?"
"Clara Mendes disse que você é um homem amargo e vingativo! O que você tem a dizer?"
As perguntas eram como ataques. Eles me empurravam, microfones e câmeras na minha cara.
Eu me senti encurralado. Uma raiva fria tomou conta de mim. Eles queriam um show? Eu lhes daria um.
"Ciúmes do meu irmão?", eu disse, minha voz clara e alta, silenciando a multidão. "Deixem-me contar uma história sobre meu irmão 'perfeito', Ricardo."
Os repórteres se inclinaram, famintos por um escândalo.
"Cinco anos atrás, Ricardo quase faliu a empresa da nossa família com suas dívidas de jogo. Para salvá-lo, para proteger sua 'brilhante' carreira, eu fui forçado a fazer um sacrifício. Um sacrifício que me custou tudo."
O silêncio foi quebrado por um frenesi de cliques de câmeras.
"Então, se vocês querem falar sobre quem é o verdadeiro fardo, o verdadeiro problema, talvez devessem olhar para o músico 'talentoso' que vive às custas dos outros."
Virei as costas e entrei no meu carro novo e chamativo, deixando os repórteres em polvorosa. A notícia se espalharia como fogo.
Eu não me importava com as consequências.
Naquela noite, enquanto eu estava em um bar caro, tentando beber até esquecer, Clara apareceu. Seu rosto estava pálido de raiva.
"Você enlouqueceu?", ela sibilou, parando na minha frente. "Como você ousa dizer aquelas coisas sobre Ricardo para a imprensa? Você quer destruí-lo?"
"Eu apenas disse a verdade", respondi, tomando um gole do meu uísque.
"Você é um monstro, Antônio!", ela gritou, atraindo a atenção de todos.
"Eu sou o monstro que vocês criaram", eu disse, minha voz baixa e perigosa.
De repente, senti uma coceira na garganta. Comecei a tosse, uma tosse seca e fraca no início.
Mas ela se intensificou rapidamente, rasgando meu peito. Eu me curvei, tentando recuperar o fôlego.
Levei a mão à boca. Quando a afastei, vi sangue na minha palma.
Um vermelho vivo, chocante, contra a pele pálida.
Levantei os olhos e vi o rosto de Clara. Sua raiva se transformou em choque, e depois, por uma fração de segundo, em pânico.