"Irmã, no início da investigação do 'Fantasma', você me deu um conselho. Uma única palavra-chave para guiar meus pensamentos. Você se lembra qual foi?"
Era uma armadilha perfeita. Uma pergunta tão específica, tão pessoal. Se eu dissesse que nunca dei conselho nenhum, pareceria uma mentirosa invejosa. Se eu ficasse em silêncio, pareceria derrotada.
Mas o detalhe crucial era: eu nunca disse nada a ela. A "palavra-chave" era algo que eu havia apenas pensado, em um momento de introspecção no meu escritório. A palavra era "Espelho". Porque eu acreditava que o sequestrador via as crianças como um reflexo de sua própria infância perdida.
Eu a encarei, meu rosto uma máscara de indiferença.
Antes que eu pudesse responder, uma voz familiar e furiosa cortou o silêncio.
"Você não tem vergonha, Maria?"
Era o Professor. Nosso antigo mentor, o homem que eu respeitava como um pai. Ele marchou em minha direção, o rosto vermelho de raiva.
"Sua irmã está tentando te honrar, e você fica aí com essa cara de desprezo? Ela é um gênio, e você não suporta isso! Você se tornou patética!"
Ele chegou perto de mim e, na frente de todos, me empurrou com força.
Eu cambaleei para trás, o choque do seu ato me paralisando por um instante. O toque dele, antes um gesto de encorajamento, agora era de violência. O salão inteiro ofegou.
Sofia, do palco, fingiu choque. "Professor, não! Por favor!"
Mas seus olhos brilhavam de triunfo. A humilhação estava completa.
Ela então se virou para a plateia e disse, com uma confiança arrepiante.
"A palavra que minha irmã me deu foi 'Espelho'."
Um murmúrio percorreu o salão. Era tão poético, tão profundo. Tão genial.
Mas para mim, foi a confirmação final.
Não havia mais dúvida. Ela não estava apenas lendo meus pensamentos. Ela estava conectada a mim de uma forma sobrenatural e aterrorizante. O desespero que senti naquele momento foi absoluto. Como lutar contra isso?
A noite terminou com minha expulsão social completa. O Professor foi aplaudido por "defender a honra" de Sofia. O Chefe de Polícia me abordou na saída.
"Acabou, Maria. Entregue seu distintivo e sua arma. Você está em licença por tempo indeterminado. Fique longe da delegacia."
Eu não disse uma palavra. Apenas entreguei o que ele pediu e saí para a noite fria, o som dos aplausos para Sofia ecoando atrás de mim.
Minha carreira estava morta. Minha reputação, destruída. Meu mentor me odiava. Eu estava sozinha.
Quando cheguei ao meu apartamento vazio, sentei-me no escuro por horas. O sentimento de derrota era total.
Então, meu computador apitou. Um novo e-mail.
O remetente era anônimo. O assunto: "A verdade sobre Sofia".
Meu coração começou a bater mais rápido. Abri o e-mail.
Havia apenas um parágrafo.
"O que sua irmã usa não é um dom. É um feitiço antigo, um ritual de sangue conhecido como 'Vínculo Sombrio'. Ele cria uma ponte mental entre duas almas, mas exige um preço terrível. A ponte precisa de um pilar para se sustentar. Uma terceira pessoa, um sacrifício, cuja força vital é drenada para alimentar a conexão. Procure pelo pilar, e a ponte ruirá."
Vínculo Sombrio. Sacrifício. Força vital.
As palavras giravam na minha cabeça, trazendo uma clareza chocante.
Não era magia. Era um crime. Um crime de uma natureza que eu nunca imaginei.
Levantei-me, a exaustão e o desespero substituídos por uma nova e gélida determinação.
Fui até meu armário, peguei uma caixa e comecei a esvaziar minha mesa. Meu uniforme, minhas anotações, minhas medalhas. Tudo foi para a caixa.
Eu não precisava mais daquilo.
Enquanto eu guardava minhas coisas, ouvi sirenes do lado de fora. Muitas sirenes. Liguei a TV.
"ÚLTIMA HORA: Um grande incêndio em um prédio comercial no centro da cidade. Há relatos de várias pessoas presas no local."
Uma nova crise. Um novo palco para Sofia brilhar.
Eu olhei para a tela, para o caos e o fogo.
E, pela primeira vez na minha vida, eu não senti nada. Nenhuma pontada de responsabilidade, nenhum desejo de ajudar.
Aquilo não era mais problema meu.
Peguei a caixa, fui até a porta, e não olhei para trás.
Eu não estava mais fugindo. Eu estava indo caçar.
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