Uma lágrima teimosa escorreu pelo meu rosto. Não era uma lágrima de tristeza pelo amor perdido, mas de raiva por minha própria estupidez na vida anterior. Como pude amar um monstro como ele? Como pude sacrificar tudo – minha casa, meu povo, minha vida – por um homem que me via apenas como um objeto?
O funcionário do cartório me olhou com pena.
"Senhorita, está tudo bem? O noivo..."
"Ele não é meu noivo" , eu disse, a voz firme, surpreendendo a mim mesma.
Peguei minha bolsa e me levantei, a coluna reta.
Pedro, em sua arrogância, não percebeu que a Luana que ele deixou para trás não era a mesma que ele conheceu. A Luana que morreu de sede e insolação em uma jangada aprendeu sua lição da maneira mais brutal possível.
Ele voltou alguns minutos depois, talvez esperando me encontrar chorando em um canto. Seu rosto mostrava uma falsa preocupação.
"Luana, eu sei que é difícil, mas é para o nosso bem. Eu preciso salvar Sofia. Você entende, não é? Ela é minha prima, é minha responsabilidade."
Ele tentou tocar meu braço, mas eu recuei como se seu toque fosse fogo.
"Não encoste em mim."
O desprezo em minha voz o fez parar. Ele franziu a testa, confuso.
"O que há de errado? É só por uma semana. Pense nisso, depois teremos a vida inteira juntos, sem culpa, sem fantasmas."
Sem fantasmas. A ironia quase me fez rir. Nossos três filhos mortos eram fantasmas que ele parecia ter esquecido completamente. Meu sofrimento era um fantasma que ele nunca se importou em ver.
Eu não disse nada. O silêncio era minha melhor arma agora. Deixar que ele acreditasse em sua própria mentira, em seu próprio plano perfeito.
Ele suspirou, impaciente.
"Tudo bem, seja como for. Eu te levo para casa. Descanse. Quando eu voltar, tudo estará resolvido."
"Casa". Ele se referia ao apartamento na cidade grande que ele havia alugado para nós, a gaiola dourada onde minha tortura começou.
Eu o segui em silêncio para fora do cartório. O ar da cidade era pesado, cheio de fumaça e barulho, tão diferente do ar puro e do som do rio da minha terra.
Ele me levou até o carro, abriu a porta para mim como um cavalheiro. A farsa era nauseante.
Durante o trajeto, ele falava sem parar sobre como seria bom recomeçar, sobre como, desta vez, eles fariam tudo certo. Eu olhava pela janela, vendo os prédios passarem como borrões, sentindo o poder do amuleto pulsando suavemente contra meu peito. A conexão estava feita. Eles estavam vindo.
Quando ele parou em frente ao prédio, virou-se para mim, esperando um beijo, uma palavra de conforto.
Eu apenas o encarei.
"Pedro."
"Sim, meu amor?"
"Adeus."
Ele riu, sem entender.
"Não seja dramática, Luana. É só por sete dias."
Eu saí do carro sem dizer mais nada. Ele ficou lá, olhando, provavelmente pensando que era apenas um capricho meu, uma raiva passageira.
Quando entrei no prédio e a porta se fechou, eu me permiti respirar fundo.
Virei-me e olhei na direção em que ele foi, na direção do rio, na direção da minha antiga vida.
Não, Pedro. Não é por sete dias. É para sempre.
Nesta vida, o amor que eu tenho para dar será para Lucas. A vida que vou construir será nas margens do rio que me viu nascer.
E você, você ficará com suas culpas e seus fantasmas. Sozinho.