A voz dela era baixa, mas carregada de uma certeza que o desestabilizou. O desespero começou a corroer a fachada dele. Ele sabia que algo estava fundamentalmente errado.
"Sofia, meu amor, você está me assustando. Foram três anos longe um do outro, é normal que a gente se sinta um pouco estranho. Mas nada mudou. Eu te amo."
Cada "meu amor" era como um insulto. Cada declaração de amor, uma facada.
Nesse exato momento, a campainha tocou.
Um som estridente que cortou a tensão no ar.
Gabriel pareceu aliviado com a interrupção. "Deve ser a entrega do nosso jantar. Eu vou atender."
Sofia permaneceu imóvel, observando-o caminhar até a porta. Ela sabia que não era a entrega. Era o destino, servindo a verdade em uma bandeja de prata.
Gabriel abriu a porta e seu corpo congelou.
Parada no corredor, estava uma mulher de aparência frágil, segurando a mão de uma menininha de cabelos cacheados e olhos grandes e castanhos.
Era Patrícia Silva.
"Gabriel...", a mulher disse, a voz trêmula. "Desculpe aparecer assim, mas a Lúcia não para de chorar. Ela quer o papai."
O sangue sumiu do rosto de Gabriel. Ele se virou para Sofia, o pânico estampado em seus olhos.
"Sofia... eu posso explicar."
Ele se apressou em inventar uma história. "Esta é Patrícia, a esposa de um colega meu da missão. Eles... eles estão passando por problemas, e eu ofereci ajuda."
Patrícia olhou para Sofia com uma mistura de medo e desafio.
"Colega? Gabriel, do que você está falando?"
A menininha, Lúcia, olhou para Gabriel e estendeu os bracinhos. "Papai!"
A palavra ecoou no apartamento silencioso.
Sofia não precisava de mais nada. Ela caminhou lentamente até a porta, seus olhos fixos na criança. E então ela viu. O formato do sorriso. A pequena covinha no queixo. Eram idênticos aos de Gabriel. Eram os mesmos traços que ela tantas vezes admirou nas fotos dele.
Era a filha dele. A prova viva da traição.
Uma onda de náusea a atingiu, mas ela a engoliu. Ela não ia desmoronar na frente deles. Não ia dar a eles esse gostinho.
Ela forçou um sorriso compreensivo, uma atuação que rivalizava com a de Gabriel.
"Ah, entendo. Que situação difícil", ela disse, sua voz surpreendentemente calma. "É claro que você precisa ajudar seu... colega."
Gabriel a encarou, confuso com sua reação. Ele esperava gritos, lágrimas, acusações. Não essa calma assustadora.
Patrícia, vendo uma oportunidade, entrou no jogo da vítima.
"Sinto muito mesmo, senhora. Eu não queria incomodar. Mas a Lúcia está com febre, e o Gabriel é o único que consegue acalmá-la."
Ela olhou para Gabriel, os olhos suplicantes. "Gabi, por favor. Só um pouco. Ela precisa de você."
"Gabi". O apelido íntimo. Outro golpe.
Sofia sentiu um gosto amargo na boca. A mulher na sua frente não era apenas a outra. Era a cúmplice. E a menininha, a inocente âncora que os prendia.
Gabriel estava dividido, olhando de Sofia para Patrícia, o suor brilhando em sua testa.
Sofia decidiu por ele.
"Claro", ela disse, sua voz ainda mais doce, quase sarcástica. "Vá. Sua... afilhada... precisa de você. Uma criança doente é prioridade. Vocês podem conversar no parque aqui em frente, ela precisa de ar fresco."
Ela se afastou da porta, abrindo caminho para que a farsa continuasse.
Gabriel, aliviado e ainda confuso, pegou a menina no colo. "Obrigado, Sofia. Eu volto logo. Eu te amo."
Ele beijou a testa da filha, que imediatamente parou de chorar e o abraçou pelo pescoço. Patrícia se aninhou ao lado dele, colocando a mão em seu braço.
Sofia observou da janela do seu apartamento no décimo andar. Ela os viu atravessar a rua. Viu Gabriel colocar a menina no balanço. Viu Patrícia rir e ajeitar o cabelo dele.
Eles pareciam uma família perfeita. Uma família feliz.
A família que ele construiu enquanto mentia para ela.
A família que ele planejava sustentar com o dinheiro dela.
Lá embaixo, Gabriel empurrava a filha no balanço, sorrindo. Patrícia o observava com adoração. A cena era idílica, uma pintura de felicidade doméstica.
E Sofia, a noiva, a tola, assistia de cima, da sua gaiola dourada. Os sete anos de amor, os três anos de espera, tudo se desfez naquela imagem. Seu amor não tinha sido traído. Ele simplesmente nunca existiu.
As lágrimas finalmente vieram, silenciosas e quentes. Mas não eram lágrimas de tristeza. Eram lágrimas de pura e gélida raiva.
Ele não voltaria logo. Ela sabia disso. E quando ele voltasse, não encontraria a mesma mulher que havia deixado para trás.
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