As horas se arrastaram. A noite caiu, e a sala de estar, que deveria ser o cenário de um reencontro romântico, tornou-se uma câmara de tortura silenciosa.
Cada tique-taque do relógio era uma zombaria.
Perto da meia-noite, Gabriel finalmente voltou. Sozinho.
Ele parecia exausto, a energia da mentira o havia drenado.
"Sofia, me desculpe pela demora. A situação era mais complicada do que eu pensava."
Ela não respondeu. Apenas o encarou do sofá, os braços cruzados.
Ele se aproximou, sentando-se na beirada da mesinha de centro, perto dela.
"Olha, eu sei que isso parece estranho. Mas a Patrícia não tem para onde ir. O marido dela a abandonou. Eu me senti responsável, como amigo."
A mentira era tão fraca, tão patética, que Sofia quase riu.
"Eu estava pensando...", ele continuou, cauteloso. "Talvez... talvez elas pudessem ficar aqui por alguns dias. Só até eu encontrar um lugar para elas. O apartamento é grande."
A audácia dele era inacreditável. Ele queria trazer a amante e a filha para dentro da casa dela. Para dentro da vida dela.
Antes que Sofia pudesse responder, a própria Patrícia apareceu na porta do apartamento, que Gabriel havia deixado entreaberta. Ela carregava a menina adormecida no colo.
"Desculpe", ela disse, com uma voz chorosa. "A Lúcia pegou no sono no meu colo e eu não queria acordá-la. O porteiro me deixou subir."
Ela entrou, agindo como se fosse a dona do lugar. Seus olhos encontraram os de Sofia, e por um segundo, a máscara de vítima caiu, revelando um brilho de triunfo.
"Você tem um apartamento lindo, Sofia. O Gabriel sempre falou do seu bom gosto."
Ela se aproximou, colocando a criança sonolenta no sofá, não muito longe de onde Sofia estava sentada. A menina resmungou e se virou, e foi quando Sofia viu.
Pendurado no pescoço da pequena Lúcia, estava um pingente de prata. Um sol estilizado, com um pequeno ponto de safira no centro.
O ar sumiu dos pulmões de Sofia.
Sua visão se estreitou, focando apenas naquele objeto. O mundo ao redor desapareceu. O som do trânsito lá fora, a respiração de Gabriel, a presença de Patrícia, tudo se foi.
Só existia aquele pingente.
Uma lembrança a atingiu com a força de um soco.
Ela tinha dezenove anos. Estava em uma feira de artesanato com Gabriel, no início do namoro. Ela viu o pingente em uma barraca e se apaixonou por ele. Mas não o comprou para si.
Ela o comprou para ele.
"É para te proteger", ela disse a ele, colocando o colar em seu pescoço. "Você é o meu sol. Mesmo quando está nublado, eu sei que você está lá."
Gabriel a beijou. "Eu nunca vou tirar. É um símbolo do nosso amor. Para sempre."
Para sempre.
E agora, o símbolo do "para sempre" deles estava no pescoço da filha dele com outra mulher. Uma filha que ele teve enquanto fingia amá-la.
A dor que ela sentiu foi de uma nova magnitude. Não era mais sobre a mentira da missão na África, ou sobre a traição. Era sobre a profanação de algo sagrado. Ele não apenas a enganou. Ele pegou a memória mais pura e íntima deles e a entregou para a sua outra vida.
Ela se levantou, a calma gélida voltando com uma intensidade assustadora. Ela caminhou até a menina adormecida e apontou para o colar.
Sua voz era um sussurro perigoso.
"Onde... você conseguiu isso, Gabriel?"
Gabriel olhou para o colar e empalideceu. Ele abriu a boca, mas nenhum som saiu. Ele estava encurralado, a prova material de sua profanação brilhando sob a luz da sala.
Patrícia, no entanto, sorriu. Um sorriso pequeno, vitorioso.
Ela se adiantou, tocando o pingente com a ponta dos dedos.
"Ah, isso? Foi um presente do Gabi. Ele deu para a Lúcia quando ela nasceu. Ele disse que era o amuleto de proteção mais poderoso que ele tinha, e que queria que a nossa filha estivesse sempre segura."
"Nossa filha". As palavras foram ditas com uma clareza cruel.
A verdade, dita pela amante, era mil vezes mais devastadora. Ele não apenas deu o colar. Ele reescreveu a história dele, dando um novo significado, um significado que a excluía completamente.
O controle de Gabriel finalmente se rompeu. Mas sua raiva não foi direcionada a Sofia.
Ele se virou para Patrícia, o rosto contorcido de fúria.
"Cala a boca, Patrícia!"
O grito ecoou pelo apartamento, fazendo a criança se mexer no sofá. A máscara de Gabriel caiu, revelando não um homem arrependido, mas um homem furioso por ter sido exposto.
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