Na televisão da sala, o som estava baixo, mas o rosto de Lucas ocupava a tela inteira. A foto era de uma de suas viagens, ele sorrindo, o cabelo ao vento, o fundo uma paisagem exótica qualquer. A legenda em letras garrafais piscava em vermelho: "Influenciador digital Lucas Silva desaparece durante expedição na Amazônia" .
A voz do apresentador era grave, cheia de um drama ensaiado. Ele falava sobre a perigosa expedição, as condições climáticas adversas, a falta de contato há mais de quarenta e oito horas. Entrevistavam "especialistas" em sobrevivência na selva, amigos chorosos e, claro, mostravam incessantemente trechos de seus vídeos mais famosos.
O mundo lá fora estava em pânico. Seus milhões de seguidores inundavam suas redes com mensagens de oração e desespero. Sua família, eu sabia, já devia estar a caminho do nosso apartamento, prontos para encenar o primeiro ato de uma tragédia familiar.
Eu, no entanto, sentia uma calma fria, quase sobrenatural.
Olhei para o rostinho adormecido de Clara, seu peito subindo e descendo num ritmo tranquilo. Seu cheiro de leite e talco era a única coisa real naquele momento. O caos do mundo exterior parecia uma interferência distante, um ruído de fundo que não conseguia penetrar na bolha que eu havia criado para nós duas.
Essa calma não era indiferença. Era o resultado de uma ferida que já estava aberta. O desaparecimento de Lucas na Amazônia era apenas a consequência pública de um abandono que eu sofri em particular, dias antes.
A memória voltou, nítida e dolorosa.
Há uma semana, eu estava em casa, as contrações começando a ficar mais fortes e ritmadas. A mala da maternidade estava pronta ao lado da porta há semanas. Eu liguei para Lucas, que estava em seu escritório no andar de baixo.
"Lucas, está na hora. As contrações estão de cinco em cinco minutos."
Houve um silêncio do outro lado da linha, seguido por um barulho de coisas sendo remexidas.
"Sofia, agora?" , a voz dele soava tensa, quase irritada.
"Sim, agora. Acha que eu posso escolher a hora?"
Ele não respondeu. Minutos depois, subiu as escadas correndo. Ele não olhou para mim, que estava apoiada na parede, respirando fundo a cada onda de dor. Seus olhos estavam fixos na televisão ligada no canal de notícias. A manchete mostrava imagens de incêndios florestais se alastrando por uma área remota da Amazônia.
"Grandes queimadas atingem reserva ambiental. Ativistas no local pedem ajuda" , dizia a reportagem.
Foi então que eu vi. A reação dele não era de um cidadão preocupado com o meio ambiente. Era algo pessoal, visceral. Seu rosto ficou pálido, a mandíbula travada. Ele apertou os punhos com tanta força que os nós de seus dedos ficaram brancos. Ele olhava para a tela como se a televisão fosse um portal, e ele estivesse desesperado para atravessá-lo.
A repórter no local começou a entrevistar uma ativista. O rosto da mulher apareceu em close. Era bonita, com traços fortes e um olhar determinado. Seu nome surgiu na tela: Isabela Costa.
Lucas soltou um som baixo, um gemido de angústia.
Eu conhecia aquele nome.
Eu o conhecia muito bem.
Naquele instante, observando meu marido reagir à imagem de sua ex-namorada em perigo, enquanto eu estava prestes a dar à luz sua filha, eu entendi tudo. Cada viagem de última hora, cada "reunião de negócios" secreta, cada transferência bancária que ele tentava esconder. Tudo se encaixou com uma clareza brutal.
A dor da contração que veio em seguida foi a mais forte de todas, mas não se comparava à dor gelada que se espalhou pelo meu peito. A dor do abandono que estava prestes a acontecer. E agora, com a notícia de seu desaparecimento, o mundo queria que eu sofresse por ele.
Mas meu sofrimento já tinha acontecido. Agora, era só uma questão de sobreviver às consequências. E proteger minha filha.