A Herdeira da Favela
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Capítulo 1

O ar nos bastidores do concurso "Futuro da Moda" era pesado, uma mistura de laquê, suor e ansiedade. Modelos corriam de um lado para o outro, estilistas davam os últimos retoques em suas criações e o barulho era ensurdecedor.

No meio do caos, eu, Sofia, tentava encontrar um canto de paz. Sentada em um caixote de madeira, eu repassava mentalmente cada detalhe da minha coleção. Cada costura, cada tecido, cada botão. Era o trabalho da minha vida.

Vinda da favela, eu sabia que esta era minha única chance. Uma chance de provar que talento não tem CEP.

De repente, duas figuras familiares bloquearam a pouca luz que chegava até mim.

"Sofia, maninha!"

Era João, meu irmão adotivo, com seu sorriso largo que nunca alcançava os olhos. Ao seu lado, Lucas, meu amigo de infância, segurava um copo de suco e uma pequena caixa de veludo.

João era um artista de rua famoso, seus grafites estampavam muros pela cidade inteira. Lucas era um promotor de eventos em ascensão. Eles eram meu patrocínio, meu apoio, minha família. Pelo menos, era o que eu pensava.

"Trouxemos um presente para te dar sorte," disse Lucas, me entregando a caixa. Sua voz parecia um pouco tensa.

Eu abri. Dentro, um colar de prata com uma única pedra verde-escura brilhava de forma estranha. Era bonito, mas algo nele me causava um arrepio.

"E um suco especial para te dar energia," completou João, me oferecendo o copo. "Você mal comeu hoje, precisa de força."

O cheiro do suco era doce demais, quase enjoativo.

Meu celular vibrou no bolso. Uma mensagem de um número desconhecido, provavelmente de algum fã anônimo que acompanhava os bastidores por lives piratas.

"CUIDADO. O COLAR E O SUCO. É UMA ARMADILHA."

Meu coração gelou. Olhei para a tela, depois para os rostos sorridentes de João e Lucas. Uma armadilha? Por quê?

Outra mensagem chegou.

"Eles não querem seu sucesso. Querem te usar e depois te descartar. O colar te deixa confusa, o suco te apaga. Eles querem te ver humilhada na passarela."

A verdade me atingiu como um soco no estômago. A inveja velada no olhar de João, a ambição sem limites de Lucas. Tudo fez sentido. Eles nunca acreditaram em mim, apenas viram em mim um degrau para a própria ascensão social. A "garota da favela talentosa" era uma boa história para a imprensa, uma forma de eles parecerem generosos e descolados.

Minhas mãos tremeram, mas não de medo. De raiva.

"Obrigada," eu disse, com a voz mais firme que consegui. "Mas eu não posso aceitar."

Peguei o colar e o coloquei de volta na caixa, fechando-a com um clique. Empurrei o suco de volta para João.

"Eu tenho minha própria rotina antes de um desfile. Agradeço a preocupação."

A surpresa no rosto deles foi evidente. O sorriso de João vacilou por um segundo.

"Sofia, não seja boba," ele insistiu, tentando forçar o copo na minha mão. "É só um suco. E o colar... foi caro. É para te proteger."

"Proteger do quê, João?" eu perguntei, meus olhos fixos nos dele. "De vocês?"

O ar ficou pesado. Lucas deu um passo para trás, visivelmente nervoso.

"Do que você está falando?" gaguejou Lucas.

"Eu sei de tudo," minha voz era um sussurro perigoso. "Eu sei o que vocês planejaram. Acharam que eu era ingênua? Acharam que podiam me destruir e sair ilesos?"

João largou o copo em uma mesa com força, o líquido espirrando. Seu rosto se contorceu em uma máscara de ódio.

"Sua ingrata!" ele cuspiu as palavras. "Nós te demos tudo! Te tiramos daquele buraco, pagamos por seus tecidos, te colocamos neste concurso! E é assim que você nos agradece?"

"Me deram tudo?" eu ri, um som amargo. "Vocês estavam investindo. Investindo em uma marionete que vocês poderiam controlar. Mas a marionete aprendeu a cortar as próprias cordas."

Eu me levantei, ficando cara a cara com ele. A diferença de altura era grande, mas naquele momento, eu me sentia uma gigante.

"O show de vocês acabou, João."

Virei as costas para ele e fui em direção a Lucas, que estava pálido, encostado na parede.

"E você, Lucas," eu disse, parando na sua frente. "Nos conhecemos desde crianças. Brincamos nas mesmas ruas. Eu confiei em você."

Ele não conseguia me encarar. Seus olhos focavam em um ponto qualquer no chão.

"Sofia, eu... eu não tive escolha," ele murmurou.

"Sempre existe uma escolha," eu respondi, a decepção transformando minha raiva em um gelo cortante. "E você escolheu a ganância. Escolheu a traição. Espero que tenha valido a pena."

Deixei os dois para trás, paralisados. O choque da descoberta, a dor da traição. Tudo queimava dentro de mim. Mas em meio às cinzas da nossa relação, uma nova chama se acendia. A chama da vingança.

Eles não me destruiriam. Eu os destruiria primeiro.

Enquanto caminhava pelo corredor, senti um par de olhos frios me observando de longe. Virei a cabeça e vi um homem de terno escuro, parado na sombra. Ele não era parte da equipe do evento. Ele me olhava com uma intensidade que me deu um novo tipo de calafrio. Quem era ele? A noite estava longe de acabar, e eu sentia que novos perigos, ou talvez novos aliados, ainda estavam por vir.

            
            

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