A Herdeira da Favela
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Capítulo 4

O último dia do concurso era dedicado aos ajustes finais e à preparação para o grande desfile da noite. Eu encontrei um canto tranquilo na oficina para trabalhar, um pequeno oásis de silêncio no meio da tempestade de nervosismo. Eu estava costurando à mão um detalhe delicado no vestido principal quando o inferno chegou.

Eram as seguidoras de Camila. Quatro delas. Elas me cercaram, bloqueando minha luz.

"Olha só, a ratinha de esgoto ainda está aqui," disse uma delas, chutando minha caixa de aviamentos e espalhando botões e linhas pelo chão.

"Ouvi dizer que o seu aluguel está atrasado," disse outra, pegando um pedaço do meu tecido e limpando o sapato sujo nele. "Talvez você devesse passar menos tempo costurando e mais tempo procurando um... patrocinador rico."

Elas riram. Uma terceira pegou meu caderno de esboços e começou a folheá-lo, fazendo comentários maldosos sobre cada desenho.

A raiva borbulhou dentro de mim, mas eu respirei fundo. Perder a cabeça agora era tudo o que elas queriam.

"Se vocês não saírem daqui em cinco segundos," eu disse, sem levantar os olhos da minha costura, "Eu vou até os organizadores e retiro minha inscrição do concurso."

Elas pararam. Olharam umas para as outras, confusas.

"E daí?" uma delas zombou. "Menos uma concorrente fraca para a Camila esmagar."

"É mesmo?" eu finalmente levantei o olhar. Era um olhar frio, desprovido de qualquer emoção. "Vocês acham que a Camila consegue terminar o design dela sem ter os meus esboços para copiar? Sem ter o meu trabalho finalizado para servir de... inspiração?"

O silêncio foi a resposta. Elas sabiam que era verdade. O pânico começou a aparecer em seus rostos.

"O que... O que você está insinuando?"

"Estou dizendo que se eu sair, a fonte de 'inspiração' da sua rainha seca. E então, o que será dela?"

Nesse exato momento, Camila apareceu, atraída pela confusão.

"O que está acontecendo aqui?" ela perguntou, a voz estridente.

"Ela está nos ameaçando!" gritou uma das garotas. "Está dizendo que vai desistir!"

O rosto de Camila perdeu a cor. Ela sabia exatamente o que aquilo significava. Seu plano de copiar minha peça final iria por água abaixo.

"Meninas, deixem a Sofia em paz!" ela ordenou, com uma urgência que não conseguiu disfarçar. "Ela precisa se concentrar! Vão! Agora!"

As garotas se dispersaram, confusas e irritadas. Camila se aproximou de mim, forçando o sorriso mais falso que eu já tinha visto.

"Não ligue para elas, Sofia. São umas idiotas. Você sabe como é a pressão... Aqui," ela me entregou um tablet. "Eu compilei algumas referências de moda que podem te ajudar. Considere um pedido de desculpas."

Eu peguei o tablet. Na tela, uma coleção de imagens de alta-costura. Era uma tentativa patética de me influenciar, de me fazer seguir um caminho que ela pudesse prever e copiar.

"Obrigada, Camila," eu disse, com uma doçura igualmente falsa. "Você é muito... prestativa."

Ela sorriu, aliviada, e se afastou. Eu olhei para o tablet em minhas mãos e um sorriso frio surgiu em meus lábios. Ela achava que estava me manipulando. Mal sabia ela que eu estava apenas ganhando tempo, deixando-a se afundar cada vez mais em sua própria teia de mentiras.

O resto do dia passou sem incidentes. O desfile final foi um borrão de luzes, música e adrenalina. Minha coleção foi recebida com um silêncio respeitoso, seguido por aplausos entusiasmados. A coleção de Camila, por outro lado, foi um desastre.

O colar e o suco finalmente fizeram seu efeito máximo sob as luzes quentes da passarela. Ela parecia desorientada, tropeçando nas palavras ao apresentar suas peças. As roupas, embora tecnicamente bem feitas (graças a João), pareciam sem alma em seu estado confuso. Ela esqueceu a ordem das modelos, derrubou um acessório e, no final, começou a rir de forma inadequada. O público ficou chocado. Os juízes cochichavam entre si, com expressões de desaprovação.

Depois do desfile, havia uma pequena festa de confraternização enquanto esperávamos o anúncio dos resultados no dia seguinte. Eu estava em um canto, observando a multidão, quando vi a cena que quebrou a última fibra do meu coração.

João estava com Camila. Ele a segurava pela cintura, sussurrando em seu ouvido. Ela, apesar do desempenho desastroso, sorria como uma rainha. Então, ele tirou uma pequena caixa do bolso. Não era uma caixa de veludo, era de uma joalheria famosa. Ele a abriu e colocou uma pulseira de diamantes em seu pulso. E então, ele a beijou.

Não foi um beijo de amigo. Foi um beijo de amante. Público, desafiador.

Lucas estava ao lado deles, sorrindo e aplaudindo, como o mestre de cerimônias da minha humilhação final.

Naquele momento, eu senti como se o mundo inteiro tivesse me abandonado. O irmão que eu amava, o amigo em quem eu confiava. Ambos me apunhalaram pelas costas e agora dançavam sobre o meu corpo ferido.

Uma dor profunda me atravessou. Mas, em vez de me quebrar, ela me forjou. O calor da traição queimou todas as minhas dúvidas, toda a minha ingenuidade, toda a minha esperança de reconciliação.

O que restou foi algo duro, frio e inquebrável.

Eu não estava mais sozinha. Eu era livre. Livre do peso do amor deles, livre da obrigação da gratidão. Livre para ser quem eu precisava ser para sobreviver. E para me vingar.

Eu me virei e saí da festa, sem que ninguém notasse. O mundo deles podia continuar girando com suas mentiras e seus diamantes. O meu mundo estava prestes a mudar. E eu ia arrastar o deles para o abismo junto comigo.

                         

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