A Herdeira da Favela
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Capítulo 3

O intervalo entre a primeira e a segunda etapa do concurso foi curto. Enquanto a maioria dos competidores ia para restaurantes caros ou para os lounges VIP, eu peguei minha bolsa e saí do prédio. Precisava de ar. E de um novo broche.

Andei algumas quadras até uma pequena loja de artesanato. Comprei um broche simples, de metal prateado, em forma de estrela. Não era ouro, não tinha valor sentimental, mas era meu. Custou dez reais.

Com o novo broche na lapela, entrei em uma lanchonete simples, daquelas com balcão de metal e bancos de plástico. Pedi um pão com manteiga e um café. O lugar era quieto, e o cheiro de café passado me acalmava.

Eu estava terminando meu café quando a porta se abriu com um estrondo. Era Camila, seguida por João, Lucas e seu séquito de admiradoras. Eles pararam na porta, olhando para o lugar com nojo.

"O que você está fazendo neste chiqueiro, Sofia?" perguntou uma das garotas, rindo.

"Provavelmente é o único lugar que ela pode pagar," disse outra.

João e Lucas ficaram em silêncio, mas seus rostos mostravam um misto de vergonha e superioridade. Vergonha por estarem associados a mim naquele momento, e superioridade por acharem que eram melhores que aquilo.

Eu os ignorei e dei uma mordida no meu pão.

"Estamos falando com você, favelada!" a primeira garota insistiu.

Eu terminei de mastigar, bebi um gole de café e me virei lentamente no banco para encará-la.

"E eu estou ignorando você. O que não está claro?" minha voz era calma, quase entediada.

Depois, olhei para Camila.

"Você não manda nos seus cachorros, Camila? Eles estão latindo muito alto."

O rosto de Camila ficou vermelho de raiva. Mas, para minha surpresa, ela forçou um sorriso.

"Meninas, parem com isso," ela disse, em um tom falsamente doce. "Sofia está passando por um momento difícil. Temos que ser compreensivas."

Ela se virou para mim. "Nós vamos para o Le Jardin, o restaurante do último andar. Quer vir? É por minha conta."

O convite era uma armadilha, mais uma tentativa de humilhação. Eu em uma mesa cheia de gente rica, sendo o alvo de suas piadas veladas.

"Não, obrigada," respondi. "Gosto do meu pão com manteiga."

Camila deu de ombros, o sorriso falso ainda no rosto.

"Como quiser. Vamos, pessoal. Deixem a Sofia com a... simplicidade dela."

Eles saíram, rindo, deixando para trás o cheiro caro de seus perfumes, que parecia fora de lugar na lanchonete simples.

Voltei para o meu pão e café, a raiva queimando fria no meu estômago. A simplicidade deles era uma fachada, construída sobre mentiras e traições. A minha simplicidade era real, mas temporária.

A segunda etapa do concurso começou. O tema era "Futurismo". Vi os outros competidores entrando em pânico, mas eu estava preparada. Minha coleção era ousada, com cortes assimétricos e tecidos tecnológicos que eu mesma ajudei a desenvolver com um pequeno laboratório têxtil.

Ao final do tempo, a maioria dos estilistas estava exausta, com olheiras e as mãos tremendo. Menos Camila.

Ela estava radiante, desfilando pelo ateliê como se já fosse a vencedora.

"Foi tão fácil!" ela declarou em voz alta. "Minha inspiração veio como um relâmpago! Acho que vou dar uma festa hoje à noite para comemorar minha vitória antecipada. Todos estão convidados!"

Ela sorria, generosa, mas seus olhos pareciam... vazios. Havia um brilho estranho neles. O colar ainda estava em seu pescoço. O suco já devia estar fazendo seu efeito.

Olhei para o seu manequim. O design era impressionante, muito mais complexo e bem executado do que qualquer coisa que ela já tivesse feito. Era bom demais para ser verdade.

Então eu vi. Escondido sob a gola, um pequeno fone de ouvido da cor da pele. E em sua mão, disfarçado como uma pulseira, um micro-relógio com uma tela minúscula.

Ela não estava criando. Estava recebendo instruções. João, com seu talento para o desenho, estava criando para ela em tempo real, e Lucas, com seus contatos, provavelmente conseguiu os equipamentos. Eles não estavam apenas me sabotando, estavam trapaceando descaradamente.

Eles achavam que ninguém notaria. Eles me subestimaram. Eles subestimaram a todos.

Um sorriso zombeteiro brotou em meus lábios. Eu a observei receber os parabéns dos outros, fingir modéstia, prometer empregos para suas amigas quando abrisse sua própria marca.

Eu não disse nada. Apenas observei. Como uma predadora observa sua presa, esperando o momento certo para o bote. E o momento estava chegando.

            
            

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