"Você é inacreditável", disse ele, balançando a cabeça. "Sempre mimada, sempre achando que o mundo gira ao seu redor. Ana Lúcia é uma pessoa boa, ela não merecia ser tratada assim por você."
"Você não sabe nada sobre ela, Pedro. E sabe menos ainda sobre mim", retrucou Sofia, a voz baixa, mas firme.
Antes que Pedro pudesse responder, uma nova comoção começou perto da entrada. Uma mulher de meia-idade, vestida de forma simples, mas com uma expressão de sofrimento no rosto, entrou apressadamente no salão. Era Dona Isabel, a mãe de Ana Lúcia.
"Minha filha! O que aconteceu com a minha filha?", ela exclamou, correndo em direção a Ana Lúcia, que imediatamente voltou ao seu papel de vítima, abraçando a mãe e começando a soluçar.
"Mãe, a Sofia... ela me odeia", choramingou Ana Lúcia.
Dona Isabel olhou para Sofia com olhos acusadores. "Como você pôde? Nós somos tão gratas a esta família por tudo que fazem por nós, e é assim que você trata minha filha? Com violência? Com desprezo?"
A cena era perfeitamente orquestrada. A mãe e a filha, duas pobres vítimas da herdeira rica e malvada. Os convidados, já predispostos a acreditar na farsa, murmuravam em concordância.
"Isso é um absurdo", disse Sofia, sua paciência se esgotando. "Ninguém tocou nela."
"Ah, não?", disse Ana Lúcia, mostrando o braço para todos. Havia um arranhão fino e vermelho em sua pele. "E o que é isso, então?"
Sofia olhou para o arranhão. Era tão obviamente falso, provavelmente feito pela própria unha de Ana Lúcia, mas na penumbra da festa, para uma plateia disposta a acreditar, era uma prova irrefutável.
"Você é uma mentirosa", disse Sofia, a raiva finalmente subindo à sua garganta. "Você está fazendo isso de propósito para me incriminar."
"Eu? Por que eu faria isso?", Ana Lúcia disse, a voz cheia de falsa inocência. "Eu só quero ser sua amiga. Mas você me empurra, me acusa... você está me deixando deprimida, Sofia."
A acusação de causar depressão foi a gota d'água. Pedro, cego pela manipulação, deu um passo à frente, o dedo apontado para Sofia.
"Já chega! Você está sendo cruel e patética! Você tem tudo, e ainda assim tem inveja de alguém que não tem nada. Você me dá nojo!"
A raiva de Sofia explodiu. Ela não ia mais ficar parada ouvindo aquelas mentiras. Em um movimento rápido e inesperado, ela deu um passo para o lado e chutou com força a perna da mesinha de apoio ao lado de Pedro. A mesinha virou, e Pedro, desequilibrado, caiu para trás, aterrissando de costas no enorme bolo de aniversário de três andares.
Creme e recheio de frutas voaram para todos os lados. O silêncio chocado foi seguido por gritos e risadas nervosas.
Pedro se levantou, coberto de bolo, o rosto uma máscara de fúria e humilhação.
Sofia o ignorou e se virou para Ana Lúcia, que a olhava com espanto. "Você quer um show? Então vamos ter um show de verdade."
Dona Isabel, a mãe de Ana Lúcia, correu para a frente, colocando-se entre as duas meninas. "Parem com isso! Minha filha é sensível! Vocês não veem o quanto ela está sofrendo?"
Ela começou a narrar uma história triste e comovente sobre as dificuldades que elas passaram, sobre como Ana Lúcia era uma menina boa e estudiosa que só queria uma chance na vida. Ela falava alto, para que todos os convidados pudessem ouvir, pintando um quadro de pobreza e virtude, em contraste com a riqueza e a maldade de Sofia.
Os convidados, manipulados pela performance, começaram a gritar coisas para Sofia.
"Vergonha!"
"Menina mimada!"
"Peça perdão!"
Sofia olhou ao redor, para os rostos zangados e acusadores. Ela viu seu padrasto, José, tentando acalmar alguns convidados importantes, o rosto pálido de preocupação com sua imagem social. Viu Pedro, ainda pingando bolo, olhando para ela com ódio puro. E viu Ana Lúcia e Dona Isabel, abraçadas, trocando um olhar rápido e vitorioso por cima do ombro uma da outra.
Naquele momento, em meio ao caos, Sofia sentiu uma clareza cortante. Eles não eram sua família. Eram inimigos dentro de sua própria casa. E ela não ia mais jogar o jogo deles.