Mas a voz que ouvi do outro lado da porta me paralisou.
Não era a voz dele. Era a voz da minha meia-irmã, Juliana.
"Pedro, meu amor, você tem certeza de que isso vai funcionar? E se a Sofia descobrir tudo?"
A voz de Pedro soou preguiçosa, cheia de um desdém que eu nunca tinha ouvido antes.
"Relaxa, meu bem. Sofia é uma idiota. Ela me ama tanto que faria qualquer coisa por mim, ela acredita naquela história ridícula de amnésia, não acredita?"
Um riso baixo e cruel preencheu o silêncio.
"Ela vai continuar pensando que eu perdi a memória e que ela é a única pessoa em quem posso confiar. Enquanto isso, ela vai trabalhar como uma mula naquela boate para pagar as minhas dívidas de jogo."
O ar sumiu dos meus pulmões.
Amnésia.
A dívida de jogo.
A boate.
Cada palavra era uma peça de um quebra-cabeça medonho que se montava na minha mente.
Juliana riu de novo, um som agudo e venenoso.
"E o bebê? O que vamos fazer com o bastardo que ela está esperando?"
O coração parou no meu peito. Como ela sabia? Eu tinha acabado de descobrir.
"Aquele bastardo não vai nascer" , disse Pedro, com uma frieza que me fez tremer. "Vamos forçá-la a abortar. Depois, vamos pegar o dinheiro dela e criar o nosso filho, o verdadeiro herdeiro."
Nosso filho.
O filho deles.
Juliana soltou um suspiro satisfeito.
"Ah, Pedro, você é tão mau. Eu adoro isso. Finalmente, aquela sonsa vai ter o que merece. Desde que a mãe dela roubou o meu pai da minha mãe, eu jurei que ia destruir a vida da Sofia. Ela vai pagar por tudo."
A voz dela era puro veneno, uma destilação de anos de um ódio que eu nunca soube que existia.
"Ela vai pagar, e nós vamos ficar ricos. O dinheiro que ela ganhar na boate vai ser todo nosso, para sustentar nosso filho e nossa vida de luxo."
Senti o chão desaparecer sob os meus pés.
Dez anos de amor, de dedicação, de sonhos.
Tudo era uma mentira.
Uma farsa cruel, um plano arquitetado por ele e pela minha própria irmã.
A mão que segurava o resultado positivo do teste de gravidez tremia tanto que o papel caiu no chão.
Lágrimas geladas começaram a escorrer pelo meu rosto, mas não havia som. Era um grito silencioso, uma dor tão profunda que rasgava a minha alma em pedaços.
Eu não era o amor da vida dele.
Eu era um peão. Uma ferramenta. Um cofre ambulante para financiar a vida dele com a minha irmã e o filho deles.
O amor que eu senti por uma década se transformou em cinzas, e no lugar dele, uma semente de ódio começou a brotar.
Eu tinha sido enganada, usada e descartada.
Eu tinha dado a ele todo o meu dinheiro, acreditando que o estava ajudando a se recuperar, a reconstruir sua vida depois do "acidente" que lhe causou a "amnésia".
Cada centavo que eu dei, cada sacrifício que eu fiz, foi para sustentar a mentira deles.
A consequência das minhas ações, da minha fé cega, estava ali, nua e crua.
Eu estava grávida, sem dinheiro e presa em uma teia de traição que ameaçava me consumir por inteiro.
A porta se abriu de repente.
Pedro e Juliana me viram ali, parada, com o rosto banhado em lágrimas e o papel do teste de gravidez aos meus pés.
O sorriso deles desapareceu, mas não havia pânico em seus olhos.
Apenas a fria e calculista constatação de que o jogo havia mudado.
Eles não precisavam mais fingir.
---