Pedro me encarava, a confusão nublando sua expressão de falso sofrimento.
Meu "oh" indiferente o desarmou completamente.
Ele esperava lágrimas, acusações, um colapso emocional. Qualquer coisa, menos aquele vazio.
"Sofia... você não está dizendo nada" , ele insistiu, tentando forçar uma reação. "Nós perdemos nosso filho. Você não está triste?"
Como ele ousa?
Uma risada amarga e silenciosa borbulhou dentro de mim.
Triste? Eu estava devastada, mas não pelo motivo que ele encenava.
"O que você quer que eu diga, Pedro?" , respondi, minha voz monótona.
Ele se levantou, começando a andar de um lado para o outro no pequeno quarto, um sinal de sua impaciência crescente.
"Eu não sei! Qualquer coisa! Chore! Grite comigo! Mas não fique aí me olhando como se eu fosse um estranho!"
"Talvez você seja" , eu disse baixinho.
Ele parou e me olhou. A máscara de bom moço estava começando a rachar.
"Não diga isso. Eu te amo, Sofia. Eu sempre te amei. Essa história de amnésia... foi difícil, mas meu coração sempre soube que você era a mulher da minha vida."
As mentiras saíam de sua boca com uma facilidade nojenta.
Ele continuou seu discurso, tentando me envolver novamente em sua teia.
"A Juliana está muito preocupada com você. Ela quer vir te ver, te ajudar a se recuperar. Ela é sua irmã, afinal. Ela disse que vai se mudar para cá por um tempo para cuidar de você."
A menção do nome dela foi como jogar sal na ferida.
Trazer a cúmplice dele para dentro da minha casa, para me "cuidar"? A audácia era inacreditável.
Eles queriam me manter sob vigilância constante, garantir que eu continuasse sendo a marionete deles.
"Não" , eu disse, com uma firmeza que surpreendeu a nós dois. "Eu não quero a Juliana aqui."
Pedro franziu a testa.
"Por que não? Ela só quer ajudar."
Eu decidi que era hora de testar os limites. Hora de ver até onde a farsa dele iria.
"Pedro..." , comecei, a voz deliberadamente fraca. "Se você me ama tanto... por que você estava no quarto com a Juliana mais cedo? Por que a chamou de 'meu amor'?"
O silêncio que se seguiu foi pesado, elétrico.
O rosto de Pedro mudou. A falsa tristeza se evaporou, substituída por uma surpresa genuína, que rapidamente se transformou em raiva.
Ele foi pego.
"O que você está dizendo? Você deve estar delirando. O trauma... a medicação..."
"Eu ouvi, Pedro" , eu o interrompi, minha voz ganhando força. "Eu ouvi tudo. Sobre a dívida de jogo. Sobre a boate. Sobre o bebê que você mandou matar."
A transformação foi instantânea e assustadora.
O Pedro amoroso e arrependido desapareceu como fumaça.
Em seu lugar, surgiu o verdadeiro Pedro. Frio, cruel, ameaçador.
Ele se levantou de um salto, sua postura agressiva.
"Então você ouviu, não é?" , ele disse, a voz gélida, desprovida de qualquer emoção. "Sua pequena vadia curiosa. Isso torna as coisas muito mais fáceis. Pelo menos agora posso parar de fingir."
Ele se aproximou da maca, seu rosto a centímetros do meu.
"Sim, eu menti. A amnésia foi a melhor coisa que já inventei. E sim, eu amo a Juliana, não você. Você nunca passou de um caixa eletrônico ambulante para mim."
Cada palavra era um golpe, mas eu não desviei o olhar.
Eu precisava ver. Precisava encarar a verdade nua e crua.
"Dez anos, Pedro..." , sussurrei, mais para mim do que para ele.
Ele riu, um som seco e sem humor.
"Dez anos de idiotice da sua parte. Você sempre foi tão carente, tão desesperada por amor. Foi fácil demais te enganar."
Ele se afastou, olhando para mim com um desprezo que me gelou até os ossos.
Naquele momento, eu entendi.
Ele nunca me amou.
Nem por um segundo.
Toda a minha vida com ele foi uma mentira. Um longo e elaborado golpe.
A dor da traição era imensa, mas por baixo dela, algo mais forte começava a se formar.
Uma raiva fria.
Uma determinação de ferro.
Eu não iria desmoronar. Eu não iria dar a ele essa satisfação.
Eu iria sobreviver.
E eu iria me vingar.
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