Ela nem sequer olhou para o dinheiro, seus olhos fixos no rosto dele, cheios de uma piedade que ele não merecia.
Enquanto ele tentava comprar a verdade, minha alma era arrastada de volta para a memória da minha morte, um redemoinho de dor e terror que nunca me abandonava.
Eu estava na floresta, o ar frio da noite cortando minha pele, minhas mãos amarradas a uma árvore, o cheiro de pinho e terra úmida misturado com o cheiro metálico do meu próprio sangue.
Os homens de Clara me cercavam, seus rostos eram sombras cruéis sob a luz da lua, eles não disseram nada, apenas seguiram as ordens que lhes foram dadas.
Uma agulha grossa perfurou a veia do meu braço, e eu gritei, não apenas de dor, mas de desespero pelo bebê em meu ventre, o pequeno Leo, que eu sentia se agitar em pânico dentro de mim.
Eles drenaram meu sangue, lentamente, sadicamente, enquanto eu implorava pela minha vida, pela vida do meu filho.
Clara estava lá, eu podia senti-la, não fisicamente, mas sua presença malévola pairava sobre a cena como um abutre, ela havia orquestrado tudo, sabendo que o meu sangue, com suas propriedades curativas, era a única coisa que poderia lhe dar o que ela mais desejava: Gustavo.
Minha visão escureceu, o mundo se tornou um borrão de dor e frio, e a última coisa que ouvi foi o som do meu próprio sangue pingando em um recipiente, um som que ecoaria na minha alma pela eternidade.
A memória se dissipou, me devolvendo ao presente, à cena de Gustavo profanando o lugar que se tornou meu túmulo e o refúgio do meu filho.
Dona Rosa finalmente falou, sua voz clara e firme, cortando o ar tenso.
"Sofia está morta."
A frase pairou no ar, simples, brutal e inegável.
O sorriso zombeteiro de Gustavo congelou em seu rosto, seus olhos se estreitaram em descrença.
"O que você disse?"
"Ela morreu há cinco anos" , Dona Rosa repetiu, sem vacilar. "Na mesma noite em que o senhor a expulsou de casa."
Por um momento, o mundo pareceu parar, o silêncio que se seguiu foi pesado, carregado com o peso da verdade. Mas a negação de Gustavo era uma fortaleza impenetrável.
"Mentira!" ele rugiu, sua voz ecoando pela aldeia silenciosa. "Ela está se escondendo! Ela está fazendo isso para me punir!"
Ele se virou para seus homens, sua fúria agora descontrolada.
"Eu não disse para vocês procurarem? O que estão esperando? Derrubem as portas se for preciso! Eu quero ela aqui!"
Os seguranças hesitaram, olhando para a velha senhora e para a criança aterrorizada, mas um olhar fulminante de Gustavo os colocou em movimento.
Eles começaram a invadir as cabanas humildes, o som de madeira se quebrando e gritos de medo encheram o ar. A aldeia, que antes era um refúgio de paz, estava sendo violada, destruída pela obsessão cega de um homem.
Gustavo avançou sobre Dona Rosa, agarrando seu ombro com força, seus dedos afundando em sua pele frágil.
"Onde você a enterrou? Diga-me!" ele sibilou, seu rosto a centímetros do dela. "Você acha que pode mentir para mim?"
Dona Rosa estremeceu de dor, mas seus olhos não mostraram medo, apenas uma profunda tristeza.
"Não há túmulo" , ela disse com a voz embargada. "Os animais... a floresta..."
A imagem do meu corpo sendo profanado, desmembrado, me atingiu com a força de um golpe físico, e um gemido silencioso escapou da minha alma.
Gustavo a sacudiu com força, sua frustração se transformando em violência.
"Pare de mentir!"
Foi então que Leo, meu pequeno e corajoso Leo, que até então estava escondido e chorando silenciosamente, deu um passo à frente.
Sua voz, embora trêmula, soou clara e alta no meio do caos.
"Mamãe morreu."
Ele olhou diretamente para Gustavo, seus olhos inocentes carregando a certeza de uma verdade que ele conhecia desde o nascimento.
"Vovó Rosa disse que ela virou uma estrela no céu para cuidar de mim."
O mundo de Gustavo parou.
A declaração simples e direta de uma criança, uma verdade dita sem malícia ou engano, atingiu-o com mais força do que qualquer argumento ou negação.
Ele soltou Dona Rosa, recuando um passo, seu rosto uma tela de choque e confusão.
Ele olhou para o menino, realmente olhou para ele pela primeira vez, e a verdade que ele tanto negara estava ali, estampada no rosto inocente de seu próprio filho.
Mas a verdade, para um homem como Gustavo, não era uma libertação, era uma ameaça, e sua mente distorcida se recusou a aceitá-la.