No dia seguinte, Gustavo retornou, e desta vez, ele não estava sozinho, ao seu lado, apoiada em seu braço como uma boneca de porcelana frágil, estava Clara.
Ela usava um vestido branco, caro e delicado, que contrastava com a sujeira e a pobreza da aldeia, seu rosto estava pálido, seus olhos semicerrados em uma expressão de sofrimento calculado, uma performance magistral de fragilidade.
Meu espírito se encheu de uma repulsa tão intensa que quase me desestabilizou, a visão dela, a arquiteta da minha morte, fingindo ser a vítima, era uma profanação.
"Veja, meu amor" , Gustavo disse a Clara, sua voz um sussurro de ternura, uma ternura que ele nunca, nem uma vez, demonstrou por mim nos últimos anos do nosso casamento. "Estamos quase lá, logo você terá o que precisa, logo você ficará bem."
Ele a beijou na testa, um gesto de devoção que era uma faca revirando em minha ferida fantasmagórica, o contraste entre a sua crueldade para com seu próprio filho e sua adoração por aquela mulher era grotesco.
Ele deixou Clara confortavelmente instalada no carro com o ar condicionado ligado e se aproximou de Dona Rosa, que agora tinha um curativo na testa e o olhar ainda mais endurecido pela dor e pela raiva.
Leo não estava à vista, Dona Rosa sabiamente o escondeu.
"Eu vou te dar uma última chance, velha" , disse Gustavo, mais uma vez tirando um maço de dinheiro, desta vez muito maior. "Diga-me onde Sofia está, eu não estou pedindo, estou comprando a informação, aceite meu dinheiro e minha generosidade, e eu esquecerei sua teimosia."
Ele realmente acreditava ser magnânimo, sua percepção da realidade era tão distorcida que ele se via como um marido traído, mas disposto a perdoar, um benfeitor em busca de uma cura para seu verdadeiro amor, ignorando completamente a carnificina emocional e física que deixava em seu rastro.
"Eu já lhe disse" , a voz de Dona Rosa era um fio de aço. "Sofia está morta."
Ela olhou para o carro onde Clara descansava e acrescentou com um desprezo mal disfarçado.
"E o menino, Leo, é seu filho, ele nasceu aqui, nesta aldeia, poucos dias depois que Sofia chegou, fugindo de você."
Gustavo riu, um som amargo.
"Meu filho? Que conveniente, ela foge, engravida de outro e depois diz que o filho é meu? Você acha que eu sou estúpido?"
Sua mente estava completamente fechada, ele construiu uma narrativa que o absolvia de toda a culpa, uma história onde ele era a vítima, onde Sofia era a traidora e Leo era a prova viva do pecado dela.
"Ela me traiu" , ele disse, mais para si mesmo do que para Dona Rosa, sua voz carregada de uma autocomiseração que me enojou. "Ela me abandonou quando eu mais precisei dela, quando Clara ficou doente da primeira vez, e agora ela se esconde, usando uma criança para me manipular, que tipo de monstro faz isso?"
Ele, o verdadeiro monstro, o homem que baniu sua esposa grávida, que agora ameaçava a vida de seu próprio filho, se atrevia a chamar Sofia, a mim, de monstro.
A ironia era tão espessa, tão sufocante, que eu quase desejei ter um corpo novamente, apenas para poder rir na cara dele.
"O senhor está cego, Gustavo" , disse Dona Rosa, balançando a cabeça em desolação. "Cego pela culpa e pelo egoísmo, um dia, a verdade o encontrará, e nesse dia, eu temo por sua alma."
Gustavo apenas zombou, virando as costas para ela.
"Guarde suas profecias para si mesma, velha, eu não preciso delas, eu preciso de sangue, e eu o terei, de um jeito ou de outro."
Ele voltou para o carro, para sua preciosa Clara, deixando Dona Rosa sozinha com a verdade que ninguém queria ouvir, e deixando a mim, a alma de Sofia, presa em um limbo de ódio, observando o homem que destruiu minha vida se afundar cada vez mais na escuridão de suas próprias mentiras.