Amor e Ódio: Laços Quebrados
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Capítulo 3

O abismo entre Miguel e sua mãe se aprofundou. Ele parou de falar com ela, exceto o mínimo necessário. As refeições se tornaram exercícios de silêncio torturante. Ele a evitava, passando a maior parte do tempo trancado em seu escritório ou saindo de casa sem dizer para onde ia. A casa, antes um lar, agora era um campo minado de ressentimento e dor. Miguel sentia-se completamente isolado, traído pela esposa e, o que era pior, abandonado pela mãe. A decisão dela de dar o dinheiro a Isabela foi uma ferida que não cicatrizava.

Laura, por sua vez, sentia a distância do filho como uma dor física. Ela tentava se reaproximar, mas todas as suas tentativas eram recebidas com um muro de silêncio. Um dia, ela preparou o prato favorito dele desde a infância, um assado que levava horas para fazer. Ela levou a bandeja até o escritório dele.

"Miguel, eu fiz para você", ela disse, a voz suave.

Ele nem olhou para cima dos papéis em sua mesa. "Não estou com fome", respondeu, a voz fria e distante. A rejeição foi tão cortante quanto uma faca. Laura deixou a bandeja na porta e saiu, o coração pesado. Ela sabia que cada ato de aparente traição o afastava mais, mas era um sacrifício que ela precisava fazer. Seu plano exigia paciência e um estômago de ferro.

O tempo passou. Semanas se transformaram em dois meses. A primavera deu lugar ao verão, mas dentro da casa, o inverno persistia. A tensão não diminuiu, pelo contrário, parecia se infiltrar nas paredes, no ar, tornando tudo pesado e opressivo. Miguel estava cada vez mais magro e sombrio. Isabela, por outro lado, florescia, gastando o dinheiro que conseguira e vivendo sua vida secreta com uma audácia crescente.

Então, a crise veio de uma forma inesperada. Uma virose agressiva começou a se espalhar pela cidade, afetando principalmente as crianças. A doença causava febre alta e complicações respiratórias, e o principal medicamento usado para tratá-la ficou subitamente escasso nas farmácias. O pânico se instalou. E, como se o destino estivesse zombando deles, Leo adoeceu. A febre do menino subiu perigosamente, e ele começou a ter dificuldade para respirar. Ao mesmo tempo, Miguel também pegou a virose. Embora seus sintomas fossem mais leves – febre, dor no corpo –, ele também se sentia fraco e doente.

Laura, com seus contatos e sua determinação de ferro, moveu céus e terras. Depois de um dia inteiro de telefonemas e favores cobrados, ela conseguiu. Um amigo médico lhe arrumou uma única caixa do medicamento raro, o suficiente para tratar uma pessoa. Uma única caixa. A esperança e o desespero chegaram juntos, em um pequeno pacote branco. A decisão era impossível. Dois doentes, uma dose. Seu filho e seu neto.

Laura entrou no quarto onde Isabela estava cuidando de Leo. O menino queimava em febre, a respiração ofegante. Isabela chorava, desesperada. Sem hesitar um segundo, Laura entregou a caixa para Isabela.

"Dê a ele. Siga as instruções exatamente", ela ordenou, a voz firme.

Naquele exato momento, Miguel apareceu na porta do quarto, apoiando-se no batente, o rosto pálido e suado. Ele viu a caixa na mão de Isabela. Ele viu a escolha de sua mãe.

"E eu?", ele perguntou, a voz fraca, rouca pela febre. "Mãe... e eu?"

A pergunta ficou suspensa no ar, carregada de toda a dor e abandono que ele sentia. Naquele momento, ele não era o empresário forte, era apenas um filho doente, olhando para a mãe em busca de cuidado, de amor, e sendo negado.

"Você é forte, Miguel. Você vai superar isso. É só uma febre", disse Laura, sem olhá-lo nos olhos, sua atenção focada em garantir que Isabela preparasse o remédio para Leo corretamente. "Ele é uma criança. Ele é frágil."

As palavras dela o atingiram com a força de um soco. "Frágil? E eu sou o quê? Sou de ferro?", ele conseguiu dizer, a voz tremendo de febre e de uma dor muito mais profunda. "Eu sou seu filho. Seu único filho. Como você pode... como você pode me escolher para sofrer? Você me ama, mãe? Alguma vez você já me amou?"

A angústia em sua voz era insuportável. Era o grito de uma alma que se sentia completamente abandonada pela pessoa que deveria ser seu porto seguro.

Laura finalmente se virou para ele. Pela primeira vez, Miguel viu lágrimas nos olhos de sua mãe. Mas a voz dela permaneceu firme, quase dura.

"Eu te amo mais do que a minha própria vida, Miguel. Nunca duvide disso", ela disse, cada palavra pesando uma tonelada. "Um dia, você vai entender. Eu juro que você vai entender."

Mas para Miguel, as palavras eram vazias. Elas não o aqueciam, não curavam sua febre, não preenchiam o vazio em seu peito. Ele olhou para a cena: sua mãe e sua esposa infiel cuidando de Leo, a pequena família perfeita da qual ele havia sido excluído. A dor da traição, a raiva, a decepção, tudo culminou em um único sentimento avassalador: desespero. Ele era o sacrifício no altar daquela família estranha que sua mãe insistia em proteger.

Naquela noite, a febre de Miguel piorou. Deitado na cama, tremendo de frio e queimando por dentro, ele tomou sua decisão. Ele não podia mais viver naquela casa. Ele não podia mais olhar para o rosto de sua mãe. O amor que ele sentia por ela estava se transformando em um ressentimento venenoso, e ele precisava sair antes que o destruísse completamente.

Assim que se sentiu um pouco mais forte, alguns dias depois, ele arrumou uma pequena mala. Ele não pegou quase nada, apenas o essencial. Ele não escreveu um bilhete. Não havia mais nada a ser dito. Ele desceu as escadas e viu sua mãe na sala. Ela o olhou, viu a mala em sua mão, e seu rosto ficou pálido.

"Miguel, não faça isso", ela sussurrou.

"Já está feito", ele respondeu, a voz vazia de toda emoção. "Você fez sua escolha, mãe. Agora eu estou fazendo a minha."

Ele se virou e caminhou em direção à porta.

Laura não correu atrás dele. Ela não gritou. Ela não chorou. Ela apenas ficou parada na sala de estar, uma estátua de autocontrole, e o observou ir embora. Seus olhos o seguiram até a porta se fechar atrás dele com um clique suave e final. Qualquer outra mãe estaria em pedaços. Mas Laura permaneceu imóvel, seu rosto uma máscara de calma. Apenas uma única lágrima solitária escorreu por sua bochecha, uma testemunha silenciosa do preço terrível de seu plano.

Os meses que se seguiram foram longos e silenciosos. Miguel desapareceu. Ele não atendia ligações, não respondia mensagens. Ele cortou completamente o contato. A casa ficou maior e mais vazia. Isabela, livre da vigilância do marido, tornou-se mais descuidada. Laura continuou seu papel, observando, esperando. O silêncio na casa era pesado, o silêncio de um campo de batalha após a retirada das tropas, antes da carnificina final. A ausência de Miguel era uma presença constante, um buraco no coração da família, um lembrete diário do que estava em jogo.

            
            

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