O Colar e o Coração Partido
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Capítulo 2

A noite no apartamento que Ricardo chamava de "dela" era sufocante. Cada objeto de luxo, cada peça de mobília de design, parecia zombar de Júlia. Ela se sentou no chão frio de mármore da sala, abraçando os joelhos.

A mente dela voltava para os últimos cinco anos.

Ricardo gostava de jogos. Um de seus favoritos era o "jogo do silêncio" , onde ele a ignorava por dias se ela fizesse algo que o desagradasse, como dar uma opinião não solicitada sobre negócios. Ele só voltava a falar com ela quando ela pedia perdão, mesmo sem saber o que tinha feito de errado.

Outro era o "jogo do presente" . Ele lhe dava algo incrivelmente caro, como uma bolsa de grife, e depois dizia que ela não o merecia e o tomava de volta, deixando-o em exibição na casa para que ela visse todos os dias o que tinha "perdido" por seu mau comportamento.

E o pior de tudo, o controle sobre seu corpo. Ele escolhia suas roupas, sua dieta, até mesmo a cor de seu esmalte. Ele dizia que a estava esculpindo na mulher perfeita. Na verdade, ele a estava apagando.

Para agradá-lo, Júlia havia se afastado de amigos, abandonado sua paixão pela pintura e se tornado uma sombra. Ela sacrificou sua identidade no altar de um amor que nunca foi real. Ela se convenceu de que sua felicidade dependia da dele. Que erro terrível.

A cena do evento de caridade se repetia em sua mente como um filme de terror.

A voz de Ricardo ecoava: "Uma companhia divertida... uma distração adorável."

Ele a reduziu a um brinquedo. E o fez na frente de toda a cidade, na frente de pessoas que ela conhecia, que a respeitavam. Ele não apenas a traiu, ele a aniquilou socialmente.

E Clara... a frágil e inocente Clara. Júlia se lembrou das inúmeras vezes em que Clara lhe trouxe café, perguntando com uma voz doce se ela precisava de algo. Quantas vezes Clara a observou com pena, sabendo o tempo todo que era a amante, a substituta esperando nos bastidores?

O desprezo que ele demonstrou era a parte mais dolorosa. "Preciso do apartamento de volta até amanhã." Nem mesmo a decência de uma conversa particular. Ele a chutou para fora da vida dele como se chuta um cachorro de rua.

O telefone vibrou no chão ao lado dela. Era Ricardo.

Por um momento, ela pensou em ignorar. Mas a nova força dentro dela a fez atender. Ela queria ouvir o que mais ele tinha a dizer.

"Júlia?" , a voz dele era calma, quase entediada.

"O que você quer, Ricardo?"

"Só ligando para ver se você já entendeu a situação. Sem dramas, por favor. Eu odeio dramas."

Júlia riu, um som seco e sem alegria.

"Você cria um circo na frente de centenas de pessoas e me pede para não fazer drama? A sua audácia é impressionante."

"Não foi um circo. Foi um anúncio. Eu estou seguindo em frente. A Clara me entende de uma forma que você nunca entendeu. Ela é dócil, ela não me desafia."

"Você quer dizer que ela é uma capacho melhor do que eu era" , retrucou Júlia.

Houve um silêncio do outro lado da linha. Então, ele suspirou, como se estivesse lidando com uma criança teimosa.

"Olha, não precisa ser assim. Eu ainda gosto de você, do meu jeito. Você foi uma boa garota por muito tempo."

O estômago de Júlia se revirou.

"Não me chame de 'boa garota' ."

"Tudo bem, tudo bem. O que eu quero dizer é que... podemos ter um novo arranjo. Você pode se mudar para um apartamento menor, um que eu vou providenciar. Podemos nos ver de vez em quando. Você não precisa sair da minha vida completamente."

A oferta a deixou sem ar. Ele não estava apenas a deixando. Ele a estava rebaixando de namorada oficial para amante secreta.

"Você está me oferecendo para ser sua outra mulher?" , ela perguntou, a incredulidade em sua voz.

"Não use esses termos feios. Pense nisso como... uma continuação da nossa diversão. Eu cuido de você financeiramente, e você continua disponível para mim. É um bom negócio. Muitas mulheres aceitariam."

A náusea subiu pela garganta de Júlia. Era o nojo. Nojo dele, nojo da situação, nojo de si mesma por ter amado um homem como aquele. A imagem dele beijando Clara enquanto ela usava o colar de sua mãe invadiu sua mente.

"Ricardo, escute com atenção" , disse ela, a voz baixa e perigosa. "Eu prefiro morar na rua e comer lixo a aceitar um centavo seu. Eu prefiro nunca mais ver seu rosto na minha vida."

"Não seja infantil, Júlia. Você não sabe se virar sem mim."

"Isso é o que você vai descobrir. A mulher que você conhecia morreu esta noite, no salão daquele evento. Você mesmo a matou. A que sobrou... ah, você não vai gostar nada dela."

Ela desligou o telefone antes que ele pudesse responder, o som do clique final ecoando como um tiro de largada para sua nova vida.

            
            

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