Desde que saiu do apartamento de Ricardo, Júlia estava morando com Sofia. Sofia não fez perguntas. Ela apenas a abraçou, lhe deu um quarto e a encheu de sorvete e filmes ruins. Ela era a irmã que Júlia nunca teve.
"Olha só quem está aqui" , disse Sofia, com um tom de desgosto na voz.
Júlia seguiu o olhar dela e seu estômago gelou. Do outro lado da pista de dança, Ricardo e Clara estavam entrando. Ele a segurava pela cintura, rindo de algo que ela disse. Pareciam o casal perfeito.
"Vamos embora" , disse Júlia, virando-se.
"Não! De jeito nenhum! Nós não vamos fugir. Você não fez nada de errado. Levante a cabeça e finja que eles não existem" , disse Sofia, segurando seu braço.
Júlia respirou fundo. Sofia estava certa. Ela não ia se esconder.
Ela se virou para o bar para pedir outra bebida, tentando ignorar a presença deles. Enquanto esperava, um homem se encostou no balcão ao lado dela.
Ele era alto, com ombros largos e um ar de perigo contido. Usava uma jaqueta de couro preta sobre uma camiseta simples. O cabelo escuro estava um pouco bagunçado, e uma barba por fazer emoldurava um queixo forte. Seus olhos, de um azul surpreendentemente claro, a avaliaram com uma intensidade que a fez se sentir nua.
"Sozinha?" , ele perguntou, a voz grave e um pouco rouca.
"Com uma amiga" , respondeu ela, na defensiva.
Ele sorriu, um sorriso pequeno, quase imperceptível.
"Ele não te merece."
Júlia franziu a testa. "Ele quem?"
O homem fez um gesto discreto com a cabeça na direção de Ricardo.
"O idiota que não para de te encarar como se você fosse propriedade dele."
Júlia olhou por cima do ombro. Ricardo estava fuzilando o homem ao lado dela com o olhar. Clara, ao seu lado, parecia nervosa.
"Ele não é nada meu" , disse Júlia, com mais firmeza do que sentia.
"Bom saber" , disse o estranho. Ele se inclinou um pouco mais perto. "Meu nome é Gabriel."
"Júlia."
Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, Ricardo estava na frente deles.
"O que você está fazendo, Júlia?"
A voz dele era baixa e cheia de raiva.
"Estou conversando. É proibido?" , ela rebateu, cruzando os braços.
Ricardo ignorou Gabriel e focou em Júlia. "Conversando com esse tipo? Olha pra ele. Você está se rebaixando."
Gabriel não se moveu, apenas observou a cena com uma calma desconcertante.
"Meu 'tipo' é o tipo que não humilha mulheres em público" , disse Gabriel, a voz tranquila, mas carregada de ameaça.
Ricardo finalmente se virou para ele. "Fique fora disso. É um assunto de família."
"Ela disse que você não é nada dela. Eu acredito nela" , disse Gabriel.
Clara se aproximou, agarrando o braço de Ricardo.
"Ricardo, querido, vamos embora. Não vale a pena."
Ela olhou para Júlia com os olhos cheios de lágrimas falsas.
"Júlia, por favor, não cause uma cena. O Ricardo está tentando ser feliz. Nós estamos tentando ser felizes."
A atuação era digna de um Oscar. Ela se colocava como a vítima, a mulher sensata tentando acalmar os ânimos, enquanto pintava Júlia como a ex-namorada louca e ciumenta.
Júlia riu.
"Causar uma cena? Clara, querida, o mestre das cenas é o seu noivo. Eu só estou tentando tomar uma bebida em paz."
Ricardo, irritado por estar perdendo o controle da situação, agarrou o braço de Júlia.
"Nós vamos conversar lá fora."
No instante em que ele a tocou, Gabriel se moveu. Ele não foi rápido, mas deliberado. Colocou a mão no pulso de Ricardo e apertou.
"Tire a mão dela" , disse Gabriel, a voz agora perigosamente baixa.
Ricardo tentou se soltar, mas o aperto de Gabriel era como aço. O rosto de Ricardo ficou vermelho de dor e fúria.
"Você não sabe com quem está se metendo."
"E nem você" , respondeu Gabriel, soltando o pulso de Ricardo com um empurrão.
Ricardo tropeçou para trás, massageando o pulso. Ele olhou de Gabriel para Júlia, o ódio em seus olhos. A humilhação de ser desafiado na frente de todos, especialmente por alguém que ele considerava inferior, era demais para ele.
Ele puxou Clara e saiu da boate, lançando um último olhar ameaçador para Júlia.
Júlia ficou ali, o coração batendo forte. Sofia correu para o seu lado.
"Você está bem? Que idiota!"
Júlia olhou para Gabriel, que agora a observava com uma expressão indecifrável.
"Obrigada" , disse ela.
"Não precisa agradecer. Homens como ele precisam aprender a não tocar no que não é deles."
A forma como ele disse aquilo, com uma convicção tão simples e poderosa, mexeu com algo dentro dela. Por um momento, naquele caos de luz e som, ela se sentiu segura.