Noivado Desfeito, Coração Partido
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Capítulo 4

Levaram horas até que alguém viesse me "ajudar".

Foi um médico da própria escola de samba, um homem que devia sua lealdade a João Carlos, não a Hipócrates.

Ele limpou minhas feridas de forma superficial, enfaixou minhas mãos mutiladas e me deu um analgésico forte.

"Você teve sorte," ele disse, a voz sem emoção. "Poderia ter sido pior."

Enquanto ele cuidava de mim, eu usei o pouco de clareza que o analgésico me deu para executar uma parte do meu plano.

Com a mão enfaixada, eu discretamente peguei o chumaço de algodão que ele usou para limpar o sangue de Sofia do braço dela - o sangue que ela usou para me incriminar - e o escondi em um pequeno bolso secreto do meu traje.

Era o meu sangue, não o dela, e aquela amostra seria a prova.

Mais tarde, João Carlos apareceu no pequeno ambulatório.

Ele não parecia nem um pouco arrependido, seu rosto estava calmo, quase entediado.

"Eu soube que você acordou," ele disse, parando na porta, sem se aproximar. "Você causou um grande problema, Maria, Sofia ficou muito abalada, quase perdeu o bebê por sua causa."

A audácia dele era inacreditável, ele falava como se eu fosse a agressora, como se a tortura que sofri fosse uma consequência justa dos meus atos.

"Minhas unhas...", eu sussurrei, a voz rouca.

Ele deu de ombros, um gesto de total indiferença.

"Unhas crescem de novo, mas a vida do meu filho não, você deveria pensar nisso."

Ele olhou para minhas mãos enfaixadas com desdém.

"De qualquer forma, o médico disse que você não poderá dançar por um bom tempo, talvez nunca mais como antes, os tendões foram danificados."

Cada palavra dele era calculada para me destruir, para tirar qualquer esperança que eu pudesse ter.

Ele queria me ver quebrada, não apenas fisicamente, mas espiritualmente.

"Que pena, você tinha algum talento," ele continuou, com um falso tom de lamento. "Mas não se preocupe, você ainda tem seu papel no desfile, o papel de 'Sacrifício' agora parece ainda mais apropriado, não acha?"

Ele sorriu, um sorriso que mostrava o quão doente ele era.

"O desfile final é em duas semanas, espero que você esteja recuperada o suficiente para ficar de pé no carro alegórico, não quero que você desmaie e estrague o espetáculo."

Ele se virou para sair, mas parou na porta.

"Ah, e Maria," ele disse, olhando por cima do ombro, "agradeça por eu ainda te deixar participar, depois do que você fez, eu poderia simplesmente te jogar na rua, considere isso um ato da minha generosidade."

Generosidade.

A palavra ecoou na minha cabeça, uma piada de mau gosto.

Eu olhei para minhas mãos, para as bandagens manchadas de sangue, e uma risada seca escapou dos meus lábios.

Ele me olhou, confuso com a minha reação.

Eu ri, não de alegria, mas de puro desprezo.

Eu já havia sido ridicularizada antes, quando era apenas uma passista desconhecida, as outras dançarinas riam das minhas roupas baratas, do meu jeito simples.

Aquilo não me feria mais, a opinião dele, a opinião de ninguém, não significava mais nada.

A dor física era imensa, mas minha mente estava mais clara do que nunca.

O amor que eu sentia por ele havia se transformado em um ódio frio e cortante, a paixão pela dança, em um desejo de justiça.

Quando João Carlos saiu, o médico voltou para me dar mais medicação.

"Doutor," eu disse, a voz surpreendentemente firme, "eu preciso de um favor."

Ele me olhou com desconfiança.

"Eu preciso que você consiga para mim uma cópia do prontuário médico de Sofia, especialmente os exames de gravidez."

"Isso é impossível," ele disse, balançando a cabeça. "É confidencial."

"João Carlos está sendo enganado," eu disse, olhando diretamente em seus olhos. "E quando ele descobrir, ele vai querer saber quem o ajudou e quem o traiu, de que lado você quer estar?"

Eu vi um lampejo de medo em seus olhos, ele sabia do que João Carlos era capaz.

"Além disso," eu continuei, "eu tenho um irmão muito... protetor, o nome dele é Carlos, líder da Imperatriz do Morro, a escola rival, ele não gostaria de saber que um médico deixou sua irmã ser torturada e não fez nada."

A ameaça velada funcionou.

Ele engoliu em seco.

"Vou ver o que posso fazer."

Ele saiu apressado, me deixando sozinha com meus pensamentos.

Eu olhei para o teto do ambulatório, o cheiro de antisséptico no ar.

Duas semanas.

Eu tinha duas semanas para me recuperar o suficiente para o meu ato final.

João Carlos e Sofia achavam que o desfile seria a minha humilhação final.

Mal sabiam eles que seria o palco da minha vingança.

O sacrifício seria feito, mas não seria o meu.

Seria o deles.

                         

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