/0/16117/coverbig.jpg?v=1a3ce8581617f48ec0cf60d3a605a393)
Eu me aproximei, tentando esconder a amargura na minha voz.
"Quem é esta?", Júlia perguntou, olhando para mim de cima a baixo com curiosidade.
A pergunta pairou no ar por um momento. Eu olhei para Pedro, esperando para ver o que ele diria. Uma parte de mim ainda tinha uma esperança tola de que ele me defenderia.
"Ah, ela?", Pedro riu, um som forçado e nervoso. "É só uma empregada que minha mãe salvou da rua há alguns anos. A Srta. Júlia não precisa se preocupar com ela."
Empregada.
A palavra me atingiu como um soco no estômago. Minha mão tremeu e a xícara de chá balançou. Um pouco do líquido quente respingou no vestido branco e caro de Júlia.
Tudo aconteceu muito rápido.
Um estalo alto ecoou no quintal. Meu rosto virou com a força do tapa. A assistente gorda de Júlia estava na minha frente, com o rosto vermelho de raiva.
"Empregada desastrada! Você sujou o vestido da minha senhorita! Você tem como pagar por isso?"
A assistente me olhava com um desprezo que imitava o de sua patroa. Meu rosto ardia, não tanto pela dor, mas pela humilhação.
Eu olhei para Pedro. Ele parecia desconfortável, mas não pelo que aconteceu comigo. Ele estava preocupado com a reação de Júlia. Eu esperei que ele dissesse algo, qualquer coisa. E ele disse.
"Não consegue fazer nem isso direito? Ajoelhe-se e peça desculpas à Srta. Júlia agora!"
A voz dele era dura, um comando.
"Pedro?", eu sussurrei, incrédula.
"Uma empregada se atreve a chamar o Sr. Pedro pelo nome? Que audácia!", a assistente gorda interveio novamente. "Sr. Pedro, você precisa educá-la direito. Senão, quando se casar com a nossa senhorita, ela vai causar mais problemas."
A menção do casamento fez a expressão de Pedro piorar. Ele olhou para mim com fúria.
"Não me faça dizer uma segunda vez. Ajoelhe-se ou eu te coloco na rua hoje mesmo!"
Eu o encarei, o coração gelado. Ajoelhar? Eu, Sofia Mendes, neta do Dr. Mendes, me ajoelhar para essa gente? Mesmo que eu o amasse, mesmo que estivesse presa a essa vida falsa, havia limites.
Com toda a teimosia que consegui reunir, eu respondi, com a voz firme:
"Pedir desculpas, sim. Ajoelhar, não!"
"Você!", Pedro rosnou, me fuzilando com os olhos. Ele fez um sinal discreto, piscando, como se me dissesse para ceder logo.
Mas eu não cedi.
Júlia, que até então observava tudo com um sorriso divertido, suspirou com falsa tristeza.
"Ah... Parece que o Pedro e essa empregada têm uma relação bem íntima. Acho que não deveria ter vindo assim, sem avisar."
Ela olhou para Pedro com os olhos cheios de uma mágoa fingida, o que foi o suficiente para fazê-lo perder o controle.
"A culpa é minha por ter sido muito bom com você no passado. Isso te fez esquecer quem salvou sua vida!", ele gritou. "Hoje, você vai se ajoelhar, querendo ou não!"
Ele pegou um bastão de madeira que estava encostado na parede. Sem pensar duas vezes, ele bateu com força na parte de trás dos meus joelhos. A dor foi aguda e inesperada. Minhas pernas cederam e eu caí de joelhos no chão de terra.
A assistente gorda sorriu, vitoriosa. Ela veio por trás e segurou minha cabeça, forçando-a para baixo.
Eu lutei, mas estava fraca e dominada. Ela empurrou minha cabeça contra o chão duro. Uma, duas, três vezes. Senti a pele da minha testa se romper e o calor do sangue começar a escorrer pelo meu rosto.
Júlia sorriu levemente, um sorriso satisfeito.
"Não é à toa que meu pai concordou com o seu pedido de casamento, Pedro. Você é um homem decidido. Com certeza vai passar no concurso no próximo ano. Algumas pessoas e coisas velhas precisam ser descartadas logo."
"Pedido de casamento"? Então não foi ela quem pediu. Foi ele. Ele ativamente buscou esse noivado.
Pedro, ao lado dela, concordou com a cabeça, bajulando.
"A Srta. Júlia tem toda a razão."
Quando os dois finalmente pareceram satisfeitos com a minha humilhação, eles se viraram para entrar na casa.
Eu me levantei com dificuldade, apoiando as mãos no chão. Gotas de sangue pingavam da minha testa, manchando a gola da minha blusa simples.
Olhando para as costas de Pedro, o homem que eu amei, o homem que agora estava cego pela ambição, eu não conseguia entender. Era o poder e o dinheiro que o seduziam tanto, ou ele esteve fingindo durante todos esses três anos?
Talvez meu olhar fosse tão calmo que chegou a ser assustador. Ele deve ter sentido culpa, porque depois que Júlia entrou, ele se virou e veio até mim, fingindo preocupação.
"Sofia, aguente mais um pouco", ele disse, abraçando meus ombros. "Quando eu prosperar, nunca mais vou te deixar sofrer assim."
Ele falava baixo, como se fosse um segredo entre nós.
"Você está tão machucada. Deve estar doendo muito, não é? Deixa eu te ajudar a limpar."
Enquanto falava, ele usou a manga da própria camisa para limpar suavemente o sangue da minha testa. Ele até assoprou, como se fizesse para uma criança. Era o mesmo Pedro atencioso que eu conheci. Ou a melhor imitação dele.
Nesse momento, seu assistente trouxe uma tigela com um líquido escuro e fumegante.
"Senhor, o chá de gengibre que pediu."
Pedro pegou a tigela e a levou até minha boca.
"Sua menstruação está atrasada esses dias. Vendi alguns desenhos antigos para comprar este chá para você. Beba enquanto está quente, vai te fazer bem."
Eu virei a cabeça, empurrando a mão dele com frieza.
"Não preciso. Eu não mereço."
"Vamos, não brinque com a sua saúde. Eu fico preocupado."
Ele insistiu. Eu recusei várias vezes, mas ele era mais forte. Ele segurou meu rosto e forçou a tigela contra meus lábios. Eu não tive escolha a não ser pegar a tigela para não me sujar toda.
Mas, assim que bebi dois goles, senti minha garganta queimar. Não era gengibre. Era algo corrosivo, venenoso. A dor era insuportável. Eu comecei a me contorcer no chão, sufocando, sem conseguir gritar.
Entre a vida e a morte, com a visão ficando turva, ouvi a voz hipócrita de Pedro acima de mim.
"Fui forçado. Você é muito teimosa, quase arruinou o futuro brilhante que eu tanto lutei para conseguir. As pessoas sempre buscam o melhor, Sofia. Você deveria entender isso."