Capítulo 3

No meio da noite, acordei no quartinho dos fundos. A primeira coisa que senti foi a dor aguda de uma mordida. Ratos. Eles corriam pelo chão de terra. Tentei me levantar, mas meus pés estavam presos por correntes de ferro.

Tentei gritar, mas nenhum som saiu. Minha garganta estava queimada, destruída. Ele havia me silenciado.

Levantei minhas mãos na penumbra, observando as feridas abertas e os calos de tanto trabalhar. Meus olhos, antes cheios de lágrimas, agora se encheram de um frio intenso.

Minha vingança não seria rápida. Seria calculada e dolorosa.

Com dificuldade, me arrastei até a pequena janela gradeada. Do bolso escondido na minha saia, tirei um pequeno sinalizador que eu havia preparado dois dias antes, logo depois que minha memória voltou. Era um sinal de emergência para os seguranças da minha família.

Lancei-o pela janela. O pequeno objeto soltou uma fumaça colorida que se dissipou rapidamente na noite. Pelos meus cálculos, os homens do meu avô logo chegariam.

Espero que você, Pedro, não se arrependa do que fez.

Ao amanhecer, a porta do quartinho foi aberta com um rangido. Pedro entrou, o rosto radiante de felicidade. Ele jogou um papel no chão, na minha frente.

"Depois que eu me casar com a Srta. Júlia, o governador vai me apresentar ao renomado Dr. Mendes. Minha aprovação no concurso de procurador no próximo ano é certa."

Ele sorria, exultante.

"Não se preocupe, não vou te prender aqui por muito tempo. Assim que tudo estiver resolvido e o casamento acontecer, eu te darei sua liberdade."

Dr. Mendes? Meu avô? O homem que sempre me tratou com tanto carinho, mas também com tanto rigor? Pedro, você está buscando a própria destruição.

Peguei o documento do chão. Era um termo de rescisão de relacionamento. Meus olhos passaram pelas palavras até encontrarem o motivo do término: "Esterilidade por parte da mulher".

Meu coração, que eu achava que já estava morto, se revoltou.

Três anos. Seis gestações. Todas terminando em abortos espontâneos por causa do excesso de trabalho, da má alimentação, do esforço que eu fazia para cuidar de Pedro.

Ele sabia. Ele sabia de cada vez que eu sangrei, de cada vez que chorei em silêncio no banheiro. Ele sabia o quanto eu sofria com isso, mas ainda assim, usou a minha maior dor contra mim, escrita em um papel oficial.

Com os olhos vermelhos, eu o encarei, as lágrimas de raiva finalmente escorrendo. Eu apontei para a palavra "esterilidade" e depois para mim mesma, balançando a cabeça em negação.

Ele, porém, evitou o assunto. Colocou uma tigela com restos de comida no chão sujo.

"A culpa é sua por ter sido tão descuidada e ter gastado tanto dinheiro todos esses anos. Por isso, a casa está em dificuldades. Esta comida deve te sustentar por alguns dias."

A comida cheirava a azedo. Os ratos no canto do quartinho, sentindo o cheiro, correram para se banquetear.

Senti náuseas.

Pedro saiu, fechando a porta com um desprezo visível.

Pouco depois, ouvi um barulho no quintal. Gritos, acusações. Em seguida, a porta do quartinho foi chutada e aberta com violência.

"Júlia esteve aqui ontem e perdeu um brinco de diamantes. Foi você quem roubou, não foi?"

Pedro voltou, o rosto vermelho de fúria. Atrás dele, a delicada Júlia e sua assistente gorda, com um sorriso de escárnio no rosto.

Eu as olhei friamente. Peguei um pedaço de carvão do chão e escrevi na parede: "Não peguei. Não me acusem falsamente."

"Ah, coitadinha", disse Júlia, com uma voz falsamente doce. "Eu entendo. Uma órfã como você nunca viu coisas boas na vida. Em um momento de fraqueza, você cedeu à tentação. Mas este par de brincos é a minha joia favorita. Se você me devolver agora, por consideração a Pedro, eu te perdoo."

Eu apaguei o que escrevi e tornei a escrever com mais força.

"Eu disse que não peguei! Quem pegou seus brincos que morra!"

Mal terminei de escrever a última palavra, Pedro correu e me deu um tapa forte no rosto.

A assistente de Júlia sugeriu, com malícia: "Srta. Júlia, não se preocupe. Vamos tirar a roupa dela. Não acredito que não vamos encontrar o brinco escondido."

Eu olhei, chocada, para Pedro. Ele estava completamente insano para agradar Júlia. Peguei um pedaço de pau que estava no chão e o balancei, recuando para um canto.

"Tirem a roupa dela!", Pedro ordenou.

Mas eu estava ferida e não comia há dias. Como eu poderia lutar contra eles?

Pedro me agarrou pelos cabelos e bateu minha cabeça contra a parede de tijolos. A dor me deixou tonta. A assistente gorda aproveitou a oportunidade para rasgar meu vestido.

Uma lágrima de ódio escorreu pelo meu rosto. Mordi os lábios com força, tentando proteger minha última peça de roupa íntima com as mãos.

Eles riam, vitoriosos, me vendo humilhada e exposta.

Pedro pegou um chicote de couro que usava para os animais e começou a me açoitar nas costas.

"Ladra gananciosa! Devolva logo o que você pegou!", ele gritava a cada golpe.

As chicotadas rasgavam a pele das minhas costas. A dor era excruciante, mas eu não emitia nenhum som.

Só quando ele se cansou de me bater e minhas costas estavam em carne viva, Júlia levantou a mão para detê-lo.

"O brinco pode ter sido passado para outra pessoa", ela disse, pensativa. "Pedro, o que faremos agora?" Ela puxou a manga dele, com um ar de dependência fingida.

Pedro olhou para mim, caída no chão, e depois para ela. Um sorriso cruel se formou em seus lábios.

"Que tal vendê-la para um bordel? Com o dinheiro, eu compro um par de brincos novo e ainda mais bonito para você."

Júlia assentiu, envergonhada, mas seus olhos brilhavam de satisfação.

Meu rosto ficou pálido. A gratidão por ter salvado minha vida, os três anos de convivência, tudo foi estraçalhado naquele momento. Tirar minhas roupas e me humilhar não era suficiente. Ele queria me vender para ser abusada por centenas de homens.

Pedro não queria apenas me descartar. Ele queria me destruir. Me matar.

Por mais que eu resistisse, fui arrastada por dois capangas de Júlia para fora do quartinho, para fora da casa. Eles me jogaram na parte de trás de uma carroça.

No meio do caminho, em uma estrada deserta, a carroça parou de repente. Ouvi dois gritos curtos e abafados. Depois, silêncio.

Momentos depois, a lona da carroça foi aberta. Não eram os capangas de Júlia. Eram os homens do meu avô.

            
            

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