Levei horas para recuperar o controle do meu corpo. Aos poucos, a névoa do sedativo se foi, substituída por uma dor de cabeça latejante e uma determinação gelada. Quando Pedro finalmente voltou, já era madrugada.
Ele entrou no quarto com uma bandeja de comida, um gesto patético de cuidado.
"Sara, você precisa comer alguma coisa" , ele disse, a voz baixa, como se estivesse falando com uma criança assustada.
Eu não respondi. Apenas o encarei da cama onde estava sentada.
Ele suspirou, colocando a bandeja na mesa de cabeceira. "Eu sei que você está sofrendo. Eu também estou. Ele era meu filho."
A mentira era tão descarada, tão insultuosa, que uma risada seca escapou dos meus lábios.
Ele franziu a testa. "O que é tão engraçado?"
"Você" , eu disse, a voz firme. "Você é uma piada, Pedro. Uma piada cruel e mal contada."
Sua expressão endureceu. "Não fale assim. Você está em choque. O segurança cometeu um erro terrível. Ele será punido."
"Punido?" , repeti, sentindo a raiva borbulhar. "Você vai dar a ele uma advertência por escrito? Ele assassinou nosso filho por suas ordens e você chama isso de 'erro' ?"
"Eu nunca dei essa ordem!" , ele retrucou, a voz se elevando. "Você está delirando. A dor está te fazendo imaginar coisas. Você precisa descansar."
Ele continuou a mentir, olhando diretamente nos meus olhos. Ele era bom nisso. Ele sempre foi.
Seu celular tocou novamente. Ele olhou para a tela. Era Sofia.
"Preciso atender isso" , ele disse, já se virando para a porta. "É sobre a fusão. É importante."
Ele me deixou sozinha novamente. Sozinha com a minha dor, com a minha raiva e com a certeza de sua traição. Ele não se importava. A morte do nosso filho era um inconveniente. Minha dor era um problema a ser administrado com sedativos e comida. A única coisa que importava era sua empresa, seu poder, sua nova parceira.
Naquele momento, algo dentro de mim se partiu para sempre. A conexão de energia que nos unia, que eu havia nutrido por tanto tempo, pareceu se esticar até o ponto de ruptura. Eu a senti como um fio fino e frágil em meu peito.
Não havia mais amor. Não havia mais esperança. Só havia um vazio gelado.
Quando ele saiu, eu me levantei. Fui até o espelho e olhei para o meu reflexo. Vi o rosto de uma mulher que eu mal reconhecia, pálida, magra, com olhos fundos e assombrados. Mas por trás do sofrimento, vi uma fagulha. Uma chama de fúria que não se apagaria.
Ele me tirou tudo. Meu amor, minha energia, meu filho. Ele me deixou com nada.
Mas ele se esqueceu de uma coisa. Ele se esqueceu do poder que eu tinha. O poder que o criou. O poder que poderia destruí-lo.
Peguei meu celular, que eles haviam deixado na gaveta. Minhas mãos tremiam, mas meus dedos foram firmes ao discar o número.
"Tiago?" , eu disse quando meu primo atendeu.
"Sara! Onde você está? Estou tentando te ligar há dias! O que aconteceu? Eu vi as notícias sobre o João... eu sinto muito..."
Sua voz, cheia de uma preocupação genuína, quase me fez desabar. Mas eu me segurei.
"Tiago, eu preciso de ajuda" , minha voz era um sussurro. "Preciso sair daqui. Agora."
Eu contei a ele tudo. A traição na estrada, a morte de João, as palavras de Pedro que ouvi. Houve um silêncio chocado do outro lado da linha.
"Aquele desgraçado" , Tiago finalmente disse, a voz cheia de uma raiva contida. "Sara, eu vou te tirar daí. Apenas me diga onde você está e o que precisa."
Começamos a traçar um plano. Um plano de fuga. Um plano para recuperar o corpo do meu filho e desaparecer. Enquanto eu falava com ele, senti uma força que não sentia há anos. A força de não estar sozinha. A força de lutar por mim mesma.
Pedro não sabia, mas a mulher que ele tentou quebrar e descartar estava se reerguendo das cinzas. E ela não ia mais jogar o jogo dele.