Cada passo na lama, com as pedras machucando meus pés descalços, era um lembrete físico da minha humilhação.
Não era a primeira vez que Lucas me abandonava por causa de Rafaela.
Lembrei-me da semana passada, quando ele me deixou no meio do cinema porque Rafaela ligou chorando por causa de um "problema urgente" no trabalho. O problema era que a impressora não funcionava.
Lembrei-me do mês anterior, quando ele esqueceu o jantar do nosso aniversário de sete anos de noivado porque estava ajudando Rafaela a montar os móveis do apartamento novo dela.
Lembrei-me de todas as vezes que ele cancelou nossos planos, ignorou minhas ligações, minimizou meus sentimentos, sempre com o nome dela na ponta da língua.
Eu era um item em uma lista de tarefas que ele nunca tinha tempo de checar.
Depois de quase uma hora de caminhada dolorosa, finalmente cheguei a uma estrada principal e consegui um táxi. O trajeto até nosso apartamento em São Paulo foi silencioso, com as luzes da cidade borradas pelas minhas lágrimas silenciosas.
Quando entrei em casa, exausta e suja de lama, ouvi as vozes deles vindo da sala.
"...então, no sábado a gente pode pegar a estrada bem cedo, ir pra praia. O que você acha, Rafa? Um fim de semana só pra gente relaxar", dizia Lucas, a voz cheia de entusiasmo.
Meu coração se apertou. Ele nunca ficava tão entusiasmado para passar um fim de semana comigo.
Entrei na sala. Eles estavam sentados no sofá, muito próximos, olhando um catálogo de pousadas no notebook.
Lucas me viu e sua expressão mudou, um misto de surpresa e irritação.
"Duda? O que você está fazendo aqui? Achei que fosse dormir na sua mãe."
Rafaela me olhou com um sorriso vitorioso disfarçado de preocupação.
Lucas, percebendo o clima pesado, tentou consertar as coisas da sua maneira superficial.
"Ah, a gente estava planejando uma viagem pra praia no fim de semana. Você quer ir junto?"
Antes que eu pudesse responder, Rafaela interveio rapidamente.
"Acho que não é uma boa ideia, Lucas. A Duda parece chateada. Talvez ela precise de um tempo sozinha. Além disso, a gente precisa discutir os detalhes do novo projeto, é um assunto de trabalho."
Eu apenas balancei a cabeça, cansada demais para discutir.
"Não se preocupem. Eu não vou. Divirtam-se."
Fui em direção ao nosso quarto, mancando um pouco. Meu pé estava cortado e sangrando.
Lucas notou o rastro de sangue que eu deixava no chão de madeira.
"Meu Deus, o que aconteceu com o seu pé?", ele perguntou, levantando-se e vindo até mim. Por um segundo, vi um vislumbre do antigo Lucas, o que se importava.
Mas durou pouco.
Ele olhou para a minha roupa suja, para o meu estado deplorável, e sua preocupação se transformou em acusação.
"Isso tudo é culpa sua. Se você não tivesse feito aquele escândalo todo, nada disso teria acontecido. Precisava mesmo estragar tudo?"
A última gota de paciência que me restava evaporou.
"Escândalo? Eu fui humilhada e abandonada na minha própria festa! E você me culpa?"
Minha voz tremeu de raiva. Com um gesto brusco, bati a mão em uma mesinha de canto, derrubando um vaso de vidro que se espatifou no chão.
O barulho ecoou no silêncio tenso.
Lucas me olhou com um nojo que eu nunca tinha visto antes.
"Você ficou louca. Completamente louca", ele disse, a voz gélida. "Eu não vou ficar aqui pra ver mais um dos seus surtos. Quando você voltar a ser gente, a gente conversa."
Ele se virou, pegou a chave do carro e saiu, batendo a porta com força.
Deixando-me, mais uma vez, sozinha com os cacos.