Eu a ajudei a reerguer tudo. Trabalhei como um louco, sacrifiquei fins de semana, feriados. A empresa se tornou minha vida, assim como ela.
Cinco anos depois, nos casamos. Foi quando ela me disse, com lágrimas nos olhos, que tinha pavor de gravidez, pavor de parto. Ela não queria filhos.
"Você entende, André? Eu não posso. Simplesmente não posso."
Eu a abracei e disse que tudo bem. Eu a amava, não precisava de mais nada.
Para provar meu amor e meu compromisso, para acalmar seus medos, eu fiz a vasectomia. Um pequeno procedimento, um sacrifício minúsculo por uma vida inteira de felicidade com ela.
Anos depois, ela chegou em casa com um diagnóstico médico. Infertilidade. Mesmo que quiséssemos, não poderíamos ter filhos. Ela chorou em meus braços, dizendo que se sentia uma mulher incompleta. Eu a consolei, disse que éramos nós dois contra o mundo, que nosso amor era suficiente.
Tudo mentira.
O diagnóstico de infertilidade. As lágrimas. Tudo parte de um plano doentio.
Como ela escondeu a gravidez?
A resposta veio como um soco no estômago.
A "viagem de estudos avançados" de um ano para o exterior. Seis anos e meio atrás. Ela disse que era para aprimorar suas habilidades de gestão, para o bem da empresa. Eu a apoiei, claro. Fiquei orgulhoso.
Ela voltou mais radiante do que nunca, cheia de novas ideias. E eu, cego de amor, nunca suspeitei de nada.
Ela me usou. Ela me enganou. Ela construiu uma vida dupla nas minhas costas.
Eu parei o carro no acostamento, a náusea subindo pela minha garganta.
Eu era um idiota.
Um completo e absoluto idiota.
O telefone tocou, me assustando. Era ela.
Atendi, a voz saindo como um rosnado.
"O que você quer?"
"André, onde você está? Volte para casa. Vamos conversar."
Sua voz era suave, quase suplicante. A mesma voz que ela usou por vinte anos para conseguir tudo o que queria de mim.
"Conversar sobre o quê, Clara? Sobre seus filhos secretos? Sobre o fato de você ter me feito de palhaço por duas décadas?"
"Eu sinto muito," ela disse, e por um momento, a sinceridade em sua voz quase me quebrou. "Eu nunca quis te magoar."
"Você não quis me magoar?" eu gritei. "Você destruiu a minha vida! Você me fez acreditar que éramos uma equipe, uma família! E o tempo todo, você tinha outra família!"
"Não foi assim! Léo... o pai deles... foi um erro. Eu estava sozinha, em outro país... aconteceu."
O tom dela mudou, a culpa dando lugar à justificativa.
"Eu descobri a gravidez tarde demais. Eu entrei em pânico. Eu não sabia o que fazer."
"Você poderia ter me contado!"
"E você teria feito o quê? Me deixado? Exigido um aborto? Eu não podia arriscar!"
"Então você preferiu mentir. Por seis anos."
"Eu ia te contar! Juro que ia. Eu só estava esperando o momento certo."
"O momento certo?" Minha risada era amarga. "O momento certo era quando você me entregasse um papel me tirando tudo que eu construí e me apresentando aos seus filhos como um fato consumado? Esse era o seu plano?"
Houve silêncio.
"Ele era só o doador, André. Eu paguei a ele. Ele não significava nada. Foi só sexo."
Ela admitiu a traição de forma tão casual, tão barata. Como se estivesse falando de uma transação comercial.
"Você é inacreditável."
"André, por favor. Eu te amo. Você é o homem da minha vida. Eles são só crianças. Podemos fazer isso dar certo. Nós três."
"Nós três?"
"Nós quatro, desculpe. Eu, você e os meninos."
A facilidade com que ela tentava me encaixar nessa nova realidade era doentia.
"Não existe 'nós' , Clara. Não mais. Você fez sua escolha há muito tempo."
Desliguei o telefone antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa.
Sentei-me no carro, no escuro, o som da minha própria respiração preenchendo o silêncio.
A mulher que eu amava não existia. Talvez nunca tenha existido.
Eu estava de luto por um fantasma.