"Eu vou embora", eu disse, minha voz soando surpreendentemente firme para mim mesma. Peguei minha bolsa e a chave do carro.
"Embora? Pra onde? Júlia, são quase dez da noite! Você não vai dirigir de volta agora, nesse estado." Pedro se moveu, bloqueando a porta.
"Saia da minha frente, Pedro."
"Não. Pensa na Alice. Ela está dormindo. Você não pode simplesmente pegá-la e sair dirigindo por aí."
Eu parei. Ele estava certo. Eu não podia colocar Alice em risco por causa da minha dor. Olhei para a cama onde minha filha dormia, um anjo alheio ao inferno que tinha se instalado em nossas vidas. Um soluço seco escapou da minha garganta.
"Mamãe?", a vozinha sonolenta de Alice me fez congelar. Ela se sentou na cama, esfregando os olhos. "Por que você está chorando?"
Eu me virei rapidamente, limpando as lágrimas. "Não é nada, meu amor. A mamãe só está um pouco cansada. Volte a dormir."
"Eu não quero voltar a dormir. Quero o papai."
Pedro se apressou para o lado dela, seu rosto se suavizando em uma máscara de pai amoroso. "Estou aqui, princesa. O papai está aqui."
Ele a abraçou, e ela deitou a cabeça em seu ombro. Ver aquela cena me causou uma dor aguda. Ele a usava. Ele a usava como um escudo, como uma desculpa, como uma arma.
"Vamos ficar aqui hoje à noite", eu disse, a voz morta. "Amanhã de manhã, eu e Alice vamos embora."
Pedro me olhou, aliviado por ter ganhado tempo. "Claro, meu amor. É o mais sensato. Vamos descansar e amanhã conversamos com calma."
"Não temos mais nada para conversar", eu disse, cortando sua esperança. "Amanhã eu vou embora e você pode ligar para o seu advogado. Eu vou ligar para o meu."
A palavra "advogado" pairou no ar. O rosto de Pedro se fechou. "Júlia, não seja precipitada. Não vamos falar de divórcio. Nós temos uma família."
"Não, Pedro. Você e eu não temos mais nada. Você destruiu nossa família."
Ele ia responder, mas fomos interrompidos por batidas na porta.
Pedro franziu a testa. "Quem será a uma hora dessas?"
Ele foi até a porta e a abriu. E lá, parada no corredor, com uma sacola de papel na mão e um sorriso preocupado no rosto, estava Sofia.
"Pedro, querido, você esqueceu seu celular no escritório. Fiquei preocupada, você não atendia as minhas ligações. Pensei que pudesse ter acontecido alguma coisa. Trouxe um lanche pra você, sei que não deve ter jantado."
Ela falou tudo de uma vez, olhando para ele com uma intimidade que me revirou o estômago. E então, seus olhos passaram por cima do ombro de Pedro e me encontraram. O sorriso preocupado se transformou no mesmo sorriso presunçoso e desafiador que eu vi no escritório.
O tempo pareceu parar. Ali estava ela. A amante. Na porta do nosso quarto de hotel. Trazendo um lanchinho para o meu marido. A audácia. A falta de respeito.
Pedro ficou branco como papel. Ele tentou fechar a porta, mas era tarde demais. Sofia já tinha entrado no meu campo de visão, e eu, no dela. A batalha silenciosa que travamos com os olhos no escritório agora tinha se tornado uma guerra declarada no corredor de um hotel.