Por um momento, ele apenas ficou ali, o peito subindo e descendo rapidamente. Então, seus olhos encontraram os de Maria, que o observava a uma distância segura, com uma expressão indecifrável. A gratidão que ela esperava ver, ou talvez o alívio, não estava lá. Em vez disso, uma fúria sombria tomou conta de suas feições.
Ele se levantou, cambaleando, e marchou em sua direção.
"Você ficou louca? Por que você não me ajudou? Você queria que eu morresse?"
As palavras dele a atingiram, mas não da forma que ele esperava. A acusação não trouxe culpa, mas uma clareza chocante. Ele não estava apenas falando sobre o acidente que acabara de acontecer. Ele estava falando de outra coisa, algo mais profundo. A raiva em sua voz era antiga, familiar. Era a raiva do homem de setenta anos que ela conhecera, não a do garoto de dezenove.
Ele também se lembrava.
A percepção a atingiu como um raio. João também havia renascido. O choque inicial deu lugar a uma raiva gelada. Então ele também se lembrava de tudo, de como a usou, a traiu e a abandonou, e mesmo assim, sua primeira reação foi exigir que ela o salvasse de novo? A audácia dele era inacreditável.
Um sorriso lento e sarcástico se formou nos lábios de Maria. A garota assustada e submissa de sua vida passada se foi. No lugar dela estava uma mulher que não tinha mais nada a perder e tudo a ganhar.
"Ajudar você?", ela repetiu, a voz calma e cortante. "Eu estava pensando. Por que eu deveria?"
João parou, pego de surpresa pela resposta dela. Ele esperava lágrimas, desculpas, talvez uma explicação confusa. Não esperava desafio.
"O que... o que você quer dizer com isso? Eu sou seu namorado! Eu quase morri!"
"Exatamente", disse Maria, dando um passo à frente, diminuindo a distância entre eles. "Você quase morreu. Mas não morreu, não é? Alguém te salvou. Parece que você não precisa de mim para isso, afinal."
A confusão no rosto dele se transformou em uma carranca feia. Ele a agarrou pelo braço, a mesma possessividade que ela tanto odiava.
"Não fale assim comigo, Maria. Você não é assim. Você vai ficar aqui comigo. Você precisa cuidar de mim. Eu estou em choque."
A hipocrisia era tão espessa que ela quase podia tocá-la. Ele queria que ela ficasse, que desempenhasse seu papel de cuidadora, de salvadora, o mesmo papel que a destruiu. Ele não a amava, ele a usava. Ele a via como uma ferramenta para seu próprio conforto.
Maria puxou o braço com força, libertando-se do aperto dele. O gesto o surpreendeu.
"Cuidar de você? Você parece bem para mim", disse ela, com um tom de escárnio. "Talvez um pouco assustado. Mas não se preocupe, João. O medo passa. Já o arrependimento... esse dura a vida inteira. Ou até duas, pelo visto."
Ela se virou, decidida a ir embora. Ela tinha um trem para pegar, uma vida para começar. A vaga na faculdade de medicina a esperava. Desta vez, nada a impediria.
"Onde você pensa que vai?", ele gritou, a voz cheia de pânico. "Não me deixe sozinho!"
Maria parou e olhou para ele por sobre o ombro.
"Eu vou para a capital. Vou para a faculdade. Sabe, aquela para a qual eu estudei tanto? Aquela oportunidade que eu perdi na última vez por sua causa."
A menção à vida passada o fez estremecer. A verdade estava exposta entre eles.
"Você não pode ir", ele disse, a voz mais baixa, quase um apelo desesperado. "E quanto a nós?"
Uma risada amarga escapou dos lábios de Maria.
"Nós? Não existe 'nós', João. Nunca existiu de verdade. Existia você, e a sua 'alma gêmea', Sofia. Eu era só a idiota útil no meio do caminho."
Ela se lembrou com uma clareza dolorosa de como, na vida anterior, a notícia de sua vaga na faculdade chegou na mesma semana do acidente dele. Ele e a família dele a convenceram de que o amor verdadeiro exigia sacrifício, que ela deveria adiar seus sonhos para cuidar dele. Enquanto isso, Sofia, que mal tinha nota para entrar em qualquer curso decente, conseguiu uma vaga em uma universidade local. Anos depois, Maria descobriu que João havia usado suas economias para ajudar a família de Sofia a "comprar" aquela vaga, embelezando a história como um ato de caridade de um amigo. A verdade era que ele sempre a amou, e sempre planejou descartar Maria quando ela não fosse mais conveniente.
"Essa vida", disse Maria, a voz cheia de uma determinação de aço, "será minha. E você não faz parte dela."
Sem esperar por uma resposta, ela se virou e começou a descer a montanha, deixando para trás um João chocado e furioso, o arquiteto de sua ruína passada, agora impotente para impedir sua ascensão. Cada passo para longe dele era um passo em direção à sua própria liberdade.