O Retorno de Maria: Sem Arrependimentos
img img O Retorno de Maria: Sem Arrependimentos img Capítulo 3
4
Capítulo 5 img
Capítulo 6 img
Capítulo 7 img
Capítulo 8 img
Capítulo 9 img
Capítulo 10 img
img
  /  1
img

Capítulo 3

A carta de admissão chegou uma semana depois. A tinta preta no papel branco parecia brilhar com a promessa de um futuro novo e limpo. A Universidade de Medicina da Capital. Maria segurou a carta com as mãos trêmulas, não de medo, mas de uma alegria avassaladora. Ela conseguiu. Desta vez, ela realmente conseguiu.

Sua mãe, Dona Lúcia, chorou de felicidade ao ver a carta. Ela abraçou Maria com força, o cheiro familiar de ervas e afeto envolvendo-a.

"Eu sabia, minha filha! Eu sabia que você conseguiria!", disse Dona Lúcia, os olhos brilhando de orgulho. "Você será a melhor médica que este país já viu. Vamos comemorar! Vou fazer seu prato favorito hoje à noite."

A pequena casa da família, que também funcionava como a clínica de ervas de sua mãe, encheu-se de uma atmosfera de celebração. O contraste com sua vida anterior era gritante. Naquela época, a notícia de sua admissão foi recebida com silêncio e olhares preocupados por causa da condição de João. A felicidade dela foi sufocada pela obrigação. Hoje, era o centro do universo de sua mãe. O amor e o apoio genuínos de sua mãe eram um bálsamo para as feridas de sua alma.

Enquanto ajudava sua mãe a preparar o jantar, a campainha da clínica tocou. Sua mãe foi atender, e Maria ouviu vozes na sala da frente. Momentos depois, Dona Lúcia voltou à cozinha com uma expressão preocupada.

"Filha, é o João. Ele está com o braço machucado, parece que torceu o pulso. Ele veio procurar ajuda."

Maria sentiu um nó no estômago. Claro que ele viria. Ele sempre sabia como transformar suas próprias falhas em uma oportunidade para manipular os outros.

"Mãe, a senhora sabe que não temos mais nada", disse Maria, a voz firme.

"Eu sei, querida, mas ele está com dor. Apenas dê uma olhada. É o que os médicos fazem, não é? Ajudam os necessitados." A bondade de sua mãe era sua maior virtude e, às vezes, sua maior fraqueza.

Suspirando, Maria lavou as mãos e foi para a clínica. João estava sentado em uma cadeira, o braço esquerdo apoiado em uma tipoia improvisada, o rosto contorcido em uma expressão de dor que parecia um pouco exagerada demais.

"Obrigado por me ver, Maria", disse ele, com uma voz suave e mansa. "Meu pulso está me matando desde aquele dia na montanha."

Maria examinou o pulso dele com um toque profissional e impessoal. Estava um pouco inchado, mas não parecia nada sério. Uma simples torção. Ela pegou uma pomada anti-inflamatória e começou a aplicá-la.

"Isso vai ajudar com a dor e o inchaço. Mantenha-o imobilizado por alguns dias e evite fazer esforço", disse ela, a voz fria e clínica.

"Você sempre cuidou tão bem de mim", disse ele, tentando injetar um tom de intimidade em suas palavras. "Eu soube da sua carta da faculdade. Fico tão feliz por você."

Maria não respondeu. Ela sabia que aquilo era apenas o prelúdio.

Ele continuou: "Sabe, a Sofia... ela está arrasada. Ela não conseguiu a vaga que queria. A vida dela está arruinada. Ela é tão talentosa, Maria. Seria um desperdício se ela não pudesse estudar."

Maria parou o que estava fazendo e olhou diretamente para ele. Aí estava. A verdadeira razão de sua visita.

"O que você quer, João?"

Ele pareceu surpreso com a franqueza dela, mas rapidamente se recompôs.

"Eu estava pensando... já que somos tão próximos, e você é tão compreensiva... talvez você pudesse... ceder sua vaga para ela."

A sala ficou em silêncio. A audácia daquele pedido era tão monumental, tão descarada, que Maria sentiu uma onda de fúria subir por sua espinha. Era exatamente o mesmo pedido, a mesma manipulação da vida passada, só que desta vez, ele nem se deu ao trabalho de usar a própria saúde como desculpa. Ele estava pedindo que ela sacrificasse seu futuro pelo futuro da amante dele, abertamente.

Ela se lembrou das noites que passou estudando até tarde, dos livros que devorou, do suor e das lágrimas que derramou para conseguir aquela vaga. E ele achava que podia simplesmente pedir que ela a entregasse, como se fosse um doce. Ele não a via como uma pessoa com sonhos e ambições, mas como um obstáculo a ser removido do caminho de sua verdadeira amada.

"Você está me pedindo", disse Maria, a voz perigosamente baixa, "para jogar fora meu futuro, meu sonho, o trabalho de anos, para que sua namoradinha possa ter o que não merece?"

A raiva em seu rosto o assustou. Ele recuou um pouco.

"Não é assim, Maria! É um sacrifício pelo amor! Algo que você entende tão bem..."

"Não", ela o cortou, a voz subindo de tom, cheia de um desprezo que ela não tentou esconder. "Eu não entendo mais. A idiota que entendia esse tipo de 'amor' morreu há muito tempo, em uma cama de hospital, sozinha e abandonada."

A menção explícita à morte dele a chocou. Era uma declaração de guerra.

"Como você ousa falar comigo assim?", ele sibilou, o verniz de gentileza se quebrando. "Depois de tudo que eu fiz por você?"

"O que você fez por mim?", ela riu, uma risada sem humor. "Você me usou. Você me amarrou a você com falsas promessas enquanto planejava sua vida com outra pessoa. E agora você vem aqui, na minha casa, e tem a coragem de me pedir para me sacrificar de novo? Saia daqui, João."

"Você vai se arrepender disso, Maria. Você precisa de mim."

"Não, eu não preciso", disse ela, apontando para a porta. "Eu não quero mais ver você. Nunca mais. Estamos entendidos? Eu não vou ceder minha vaga. Eu não vou ceder minha vida. E eu certamente não vou ceder a você. Agora, saia."

Ele a encarou, os olhos faiscando de ódio e incredulidade. Ele achava que podia controlá-la, como sempre fez. Mas a mulher à sua frente não era a mesma garota.

"Você está me abandonando?", ele perguntou, como se fosse a vítima.

"Não se pode abandonar algo que nunca se teve", respondeu Maria, friamente. "Você e eu, João, acabamos. Nesta vida e na próxima."

Ela se virou e saiu da sala, deixando-o ali, chocado e derrotado. Ela voltou para a cozinha, onde o cheiro da comida de sua mãe a esperava, o cheiro de um futuro que ela lutaria com unhas e dentes para proteger.

            
            

COPYRIGHT(©) 2022