Alguns dias depois, enquanto voltava do mercado, ela decidiu pegar um atalho por trás do prédio dos correios. Foi então que ouviu as vozes. Vozes que ela conhecia muito bem. Escondida atrás de uma grande caçamba de lixo, ela viu João e Sofia, aninhados em um canto escuro, falando em sussurros conspiratórios.
"Você tem certeza que vai funcionar, João?", a voz melosa de Sofia estava carregada de ansiedade. "E se eles descobrirem?"
"Não se preocupe, meu amor", disse João, a voz dele cheia de uma confiança arrogante. "É infalível. Eu já preenchi o formulário de desistência em nome dela. A assinatura ficou idêntica. E escrevi uma carta comovente sobre como ela está abrindo mão da vaga por 'motivos pessoais urgentes'. Só preciso interceptar a carta de admissão oficial dela quando chegar e enviar tudo junto para a universidade. Eles vão simplesmente processar a desistência e oferecer a vaga para o próximo da lista. E, com a ajuda do meu tio no conselho da cidade, garantiremos que a próxima da lista seja você."
O coração de Maria gelou. Então era esse o plano. Roubar seu futuro pelas costas. A traição era tão vil, tão calculada, que a deixou sem fôlego. Mas o pior ainda estava por vir.
"E a Maria?", perguntou Sofia. "O que vai acontecer com ela? E se ela fizer um escândalo?"
João riu, um som baixo e cruel que fez o estômago de Maria revirar.
"A Maria? Ela é ingênua. Vou dizer a ela que houve um erro administrativo, que a vaga nunca foi dela. Ela vai chorar um pouco, mas vai superar. Ela sempre supera." Ele fez uma pausa, e o tom de sua voz se tornou mais íntimo, mais venenoso. "Ela é útil, tenho que admitir. Mas amor? Meu amor é só seu, Sofia. Eu só estou com ela por conveniência. O plano sempre foi o mesmo: casar com ela, usar a família dela para me estabelecer, e depois, quando a hora for certa, me divorciar e finalmente ficar com você. Ela nunca significou nada."
Cada palavra era uma facada. A dor era tão intensa, tão profunda, que por um momento, Maria se sentiu tonta. Toda a sua vida passada, todos os sacrifícios, todo o "amor" que ela pensou ter compartilhado com ele... tudo era uma mentira. Uma farsa longa e elaborada. Ela não era sua esposa, era sua ferramenta. Um degrau em sua escada para o sucesso e para a vida que ele realmente queria com Sofia. A humilhação e a dor se misturaram a uma raiva pura e incandescente. A tristeza deu lugar a uma fúria fria.
Ela não chorou. As lágrimas haviam secado na vida passada. Em vez disso, uma determinação de aço a preencheu. Eles não iriam roubar seu futuro. Não desta vez.
Sem fazer barulho, ela se afastou do esconderijo. Sua mente trabalhava rápido. O carteiro sempre passava por sua rua por volta das dez da manhã. João provavelmente estava esperando o momento certo para interceptar a correspondência. Ela precisava agir, e agir rápido.
Ela correu para casa, o coração batendo forte contra as costelas, não de medo, mas de adrenalina. Ela não foi para casa, foi direto para a agência central dos correios da cidade. Com a respiração ofegante, ela se aproximou do balcão.
"Bom dia, senhor", disse ela ao funcionário, tentando manter a voz calma. "Meu nome é Maria. Eu estou esperando uma correspondência muito importante da Universidade da Capital. É um envelope grande. Gostaria de saber se posso retirá-lo diretamente aqui, para evitar qualquer extravio."
O funcionário, um homem de meia-idade com um olhar cansado, verificou o sistema.
"Sim, senhora. O malote da capital chegou hoje de manhã. O carteiro do seu bairro já saiu para a entrega. Mas se é urgente..."
"É extremamente urgente", interrompeu Maria. "É uma questão de fraude. Alguém está tentando interceptar minha correspondência e usar meus documentos para roubar minha vaga na universidade."
A palavra "fraude" fez o funcionário se endireitar na cadeira. Ele olhou para o rosto sério e determinado de Maria e percebeu que ela não estava brincando. Ele fez uma ligação rápida.
"Carlos, aqui é o Silva. Segure a entrega do número 15 da Rua das Flores. A dona da casa está aqui para retirar um documento e alega tentativa de fraude. Sim, volte para a agência com a correspondência dela. Imediatamente."
Maria esperou, o coração na boca. Pareceram horas, mas foram apenas vinte minutos até o carteiro chegar, confuso. Ele entregou o envelope grande e oficial para o supervisor, que o passou para Maria. Estava lá. Seu futuro, em suas mãos.
"É este", disse ela, com um alívio imenso. "Muito obrigada."
"Senhora", disse o supervisor, o rosto sério. "A tentativa de roubo de correspondência e fraude documental é um crime federal. Se a senhora quiser, podemos acionar a polícia."
O rosto de João, rindo cruelmente, e o de Sofia, com sua falsa doçura, piscaram na mente de Maria. Eles pensaram que podiam destruí-la e sair impunes. Não mais.
"Sim", disse Maria, a voz firme e sem hesitação. "Eu quero."
Duas horas depois, Maria estava na delegacia, explicando a situação a um delegado atencioso. Ela contou sobre a conversa que ouviu. A polícia agiu rapidamente. Eles foram até a casa de João, onde o encontraram com os formulários de desistência falsificados e a carta fraudulenta em sua mochila, prontos para serem enviados. Sofia estava com ele. Ambos foram levados sob custódia para interrogatório.
Mais tarde, na delegacia, Maria cruzou com João no corredor. Ele estava sendo levado para uma sala, o rosto pálido e chocado. Quando a viu, seus olhos se encheram de ódio.
"Sua desgraçada!", ele sibilou. "Você me armou essa! Você vai pagar por isso!"
Maria o encarou, sem vacilar. O medo que ela sentia dele havia desaparecido, substituído por um desprezo gelado.
"Não, João", disse ela, a voz calma e letal. "Quem vai pagar são vocês. Pelos seus crimes. Acabou o jogo."
Ela se virou e foi embora, deixando-o com suas ameaças vazias. Pela primeira vez em muito tempo, ela se sentia verdadeiramente no controle de seu próprio destino.