Na mesa de jantar, o meu filho de cinco anos, Leo, apontou de repente para a foto de casamento na parede.
"Mãe, porque é que o pai não vem a casa?"
A sua pergunta inocente fez o meu coração apertar.
Olhei para a fotografia, para o sorriso radiante do meu marido, Miguel. Era um sorriso que eu não via há muito tempo.
"O pai está muito ocupado, querido. Ele está a trabalhar muito para nos dar uma vida melhor."
Esta era a mentira que eu contava ao Leo e a mim mesma todos os dias.
Mas a verdade era que Miguel não estava apenas "ocupado". Ele estava com outra mulher, a sua colega, Sofia.
O telefone tocou, interrompendo o silêncio pesado. Era a minha sogra, a Dona Helena. A sua voz era sempre fria e autoritária.
"Joana, o Miguel vai ficar na casa da Sofia esta noite. O cão dela, o Max, está doente e precisa de cuidados. Como veterinário, é a obrigação dele."
A sua voz não deixava espaço para discussão. Ela não estava a pedir, estava a informar.
"Dona Helena, o Leo está com febre. Ele precisa do pai dele."
Tentei manter a minha voz firme, mas um nó formou-se na minha garganta.
Houve uma pausa do outro lado da linha, seguida por um suspiro de impaciência.
"Um cão doente é uma emergência. Uma febre numa criança é comum. Dá-lhe um paracetamol e ele ficará bem. Não sejas tão carente. O Miguel tem responsabilidades mais importantes."
As suas palavras foram como um balde de água fria.
"Mais importantes do que o próprio filho?" A pergunta escapou-me antes que eu pudesse contê-la.
"A Sofia está a passar por um momento difícil, acabou de se divorciar. Ela precisa do apoio do Miguel. Tu és a mulher dele, devias ser mais compreensiva e não criar problemas por coisas pequenas."
Com isso, ela desligou.
Olhei para o Leo, que agora tossia, com as bochechas coradas pela febre. O meu coração doía por ele.
Peguei no meu telemóvel e liguei ao Miguel. A chamada foi direta para o correio de voz. Tentei novamente. E outra vez.
Na décima tentativa, ele finalmente atendeu. A sua voz estava carregada de irritação.
"Joana, o que é que queres? Estou ocupado!"
Ao fundo, ouvi a voz suave e preocupada da Sofia. "Miguel, querido, o Max não está a querer comer. Podes vir ver?"
"Estou a ir, querida," respondeu o Miguel com uma ternura que nunca mais usou comigo.
"Miguel," disse eu, a minha voz a tremer. "O Leo está com 40 de febre. Por favor, vem para casa."
"Quarenta de febre? Já lhe deste remédio? Ele vai ficar bem. O Max está muito mal, posso perder um paciente. Não posso sair agora."
"Ele é o teu filho!" gritei, a frustração a tomar conta de mim.
"E o Max é o meu paciente! A minha carreira também é importante, sabes? Para de ser tão dramática. A Sofia precisa de mim. Sê uma adulta e lida com isso."
Ele desligou-me o telefone na cara.
Fiquei a olhar para o ecrã escuro, sentindo um vazio gelado a espalhar-se pelo meu peito.
Não era a primeira vez. Nem a segunda. Tinha-se tornado um padrão. A Sofia precisava dele. O cão da Sofia precisava dele. Um colega de trabalho da Sofia precisava de uma boleia. Havia sempre uma desculpa, e a Sofia estava sempre no centro dela.
E a minha sogra, a Dona Helena, apoiava-o sempre, tratando a Sofia como se ela fosse a sua verdadeira nora.
Olhei para a fotografia de casamento novamente. O homem sorridente parecia um estranho. O amor que um dia nos uniu tinha-se desvanecido, substituído por desculpas e pela sombra de outra mulher.
Peguei no Leo, o seu corpo pequeno e quente nos meus braços. Ele era a única coisa que importava.
Nesse momento, tomei uma decisão.
Já não podia viver nesta mentira. Pelo bem do meu filho, e pelo meu próprio bem, isto tinha de acabar.
O divórcio já não era uma opção, era uma necessidade.