Eu o encarei, sem expressão.
"Chateada?", repeti, a voz vazia. "Alberto está morto, Pedro."
Ele suspirou, um som ensaiado de falsa paciência.
"Foi um acidente terrível. Uma fatalidade. Eu sinto muito."
"Você o demitiu. Você o jogou na rua no meio da noite. Ele não tinha para onde ir. Não foi uma fatalidade. Foi uma sentença", eu disse, cada palavra pesando uma tonelada.
"Não seja dramática, Maria Antônia", ele retrucou, o tom mudando para irritação. "Ele escolheu o lado dele. E você... você precisa entender a situação. O que eu fiz foi por nós."
"Por 'nós'?", eu ri, um som amargo. "Não existe mais 'nós'. Existe você e a minha irmã. Existe a sua traição e o seu roubo."
"Eu não roubei nada!", ele elevou a voz. "Eu investi milhões na joalheria. Milhões! Eu tinha direito a uma parte do lucro. Você estava tão obcecada com a sua 'arte' e em 'salvar o nome da família' que se esqueceu do que realmente importa: poder. Dinheiro."
Ele andava pelo quarto, gesticulando.
"Eu te ofereci um império, e você estava satisfeita com uma lojinha de bairro. Sofia entende a visão. Ela entende o que é preciso para chegar ao topo. Você não."
A forma como ele distorcia a realidade era assustadora. Meu amor, minha paixão pela arte da minha família, era, para ele, uma fraqueza. Minha integridade era ganância.
Eu me senti exausta. Discutir era inútil. Era como gritar contra uma parede.
"Vá embora, Pedro", eu disse, virando o rosto para a janela.
A conversa tinha me esgotado. A dor da perda de Alberto, a humilhação, a traição... tudo se misturava em um cansaço profundo, uma vontade de simplesmente desaparecer.
Ele ficou em silêncio por um momento.
"Tudo bem", ele disse, a voz subitamente calma, o que era ainda mais perturbador. "Eu vou te dar um tempo. Mas preciso que você assine uns papéis."
Ele colocou uma pasta na minha cama.
"É a sua parte da empresa. Eu fiz uma avaliação generosa. É dinheiro suficiente para você nunca mais precisar trabalhar na vida. Apenas assine e me entregue os livros de design originais. Considere isso uma compensação pelo... inconveniente."
Inconveniente. Ele chamou a destruição da minha vida de inconveniente.
Eu não respondi. Apenas continuei olhando para fora.
Ele esperou mais um pouco e, vendo que não obteria reação, deixou a pasta ali e saiu do quarto, fechando a porta atrás de si.
Eu fiquei imóvel por horas. Quando a noite caiu, meu celular vibrou na mesinha. Um número desconhecido.
Uma única mensagem de texto.
"Eles não destruíram tudo. Seu pai tinha segredos. Ele confiava em mim. Quando estiver pronta, me procure. A forja ainda não se apagou. - L."
Eu olhei para a mensagem, para a letra "L".
L. de Leonardo. O antigo chefe de segurança do meu pai, um homem que se aposentou anos atrás em circunstâncias misteriosas.
Pela primeira vez em dias, uma pequena faísca de algo que não era dor ou desespero se acendeu dentro de mim.
Não era esperança.
Era a possibilidade de vingança.