Eu comprava roupas baratas para mim, adiava a troca do meu carro velho, tudo para que ela pudesse ter o melhor.
Agora, a memória daquele sacrifício tinha um gosto amargo. Enquanto eu me privava de tudo, ela, sem a menor cerimônia, transferia cinquenta mil reais para o amante dela, para que ele pudesse comprar um apartamento. A ironia era cruel. O dinheiro que eu lutei tanto para ganhar, que investi nela, estava agora financiando a vida do homem que ajudou a me destruir.
Meu celular vibrou sobre a mesa, me tirando da minha Catu. Era uma mensagem de Sofia.
"Estou tentando fazer uma compra online. Preciso do código de verificação do cartão. Manda pra mim."
Aquela mensagem. Aquela maldita mensagem. Tornou-se um símbolo da minha subjugação. Nos últimos anos, sempre que ela precisava do código, eu o enviava sem pensar, um pequeno ato de confiança, um gesto rotineiro de um casal. Agora, eu via a mensagem pelo que ela era: mais uma exigência, mais uma prova de que eu era apenas um recurso a ser explorado. Ela nem se dava ao trabalho de pedir, apenas ordenava.
Ignorei a mensagem.
Minutos depois, outra.
"Ricardo, estou esperando. É urgente."
Ignorei novamente.
O telefone começou a tocar. Deixei que tocasse até cair na caixa postal. A pequena rebelião, o simples ato de não responder, me deu uma satisfação sombria. Era um "não" silencioso, mas poderoso.
Eu precisava agir, e rápido. A casa. Era o nosso bem mais valioso, e estava em nosso nome. Se eu não fizesse nada, ela certamente tentaria tomá-la de mim no divórcio, ou pior, a usaria como garantia para mais "ajudas" a Bruno.
Saí de casa sem dizer uma palavra e dirigi até uma imobiliária no centro da cidade. Sentei-me em frente a uma corretora simpática e expliquei minha situação.
"Quero vender meu apartamento. O mais rápido possível."
Ela pegou os detalhes, olhou os documentos e então me deu a notícia que eu temia.
"Sr. Ricardo, o imóvel está no seu nome e no da sua esposa, Sofia. Para a venda, precisaremos da assinatura dela em todos os documentos, inclusive no contrato de exclusividade com a nossa agência."
Um balde de água fria. Eu não podia simplesmente vender a casa pelas costas dela. Eu precisava da cooperação dela. E, no estado atual das coisas, ela jamais concordaria em vender, não enquanto estivesse planejando um futuro ali com Bruno.
Isso significava que eu não podia confrontá-la. Não ainda. Eu precisava jogar o jogo dela, fingir que estava tudo bem, talvez até ceder em algumas coisas para ganhar a confiança dela, pelo menos o suficiente para que ela assinasse os papéis sem questionar. Eu precisava ser mais esperto, mais manipulador do que ela.
Voltei para casa com o peso dessa nova complexidade nos ombros. O plano tinha um obstáculo, e eu precisaria de uma estratégia cuidadosa para superá-lo.
Quando entrei, Sofia estava na sala. Ela não estava mais irritada com o código do cartão. Agora, seu rosto estava fechado em uma máscara de frieza calculada. Ela não olhou para mim quando passei. Não respondeu ao meu "boa noite". Ela pegou seu travesseiro e um cobertor do nosso quarto e os jogou no sofá.
"Vou dormir aqui", ela disse, a voz desprovida de emoção.
Era a lei do gelo, sua tática de punição favorita. Ela a usava sempre que eu não fazia o que ela queria. O silêncio, a indiferença, a presença dela no mesmo ambiente, mas me tratando como se eu fosse invisível. Era uma forma de tortura psicológica, projetada para me fazer sentir culpado, para me forçar a ceder e pedir perdão.
No passado, isso sempre funcionava. Eu odiava o conflito, odiava a tensão. Eu acabava cedendo, pedindo desculpas mesmo quando não estava errado, apenas para restaurar a paz.
Mas desta vez era diferente. Enquanto eu a observava se ajeitando no sofá, uma figura de martírio autoimposto, eu não senti culpa. Eu não senti o desejo de me desculpar. Eu senti uma calma fria. O jogo dela era transparente para mim agora. E, pela primeira vez, eu estava pronto para jogar. Se ela queria silêncio, ela teria silêncio. Mas, por baixo da minha fachada de submissão, eu estaria planejando cada movimento para o xeque-mate final. A assinatura dela naqueles papéis era o meu único objetivo. E eu faria o que fosse preciso para consegui-la.