Renascendo Das Cinzas Dele
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Capítulo 1

As chamas alaranjadas lambiam as paredes, o calor era tão intenso que o ar parecia sólido, difícil de respirar.

A fumaça preta e densa invadia meus pulmões a cada tentativa de puxar o ar, fazendo meus olhos arderem e lacrimejarem sem parar.

Eu estava caída no chão do nosso apartamento de luxo, o carpete caro agora um ninho de fuligem e brasas.

Minha cabeça doía, uma pancada forte de algo que desabou.

Ao meu lado, Patrícia, a ex-namorada do meu marido, tossia desesperadamente. Ela parecia tão aterrorizada quanto eu.

Estávamos as duas presas.

De repente, um som cortou o crepitar do fogo. Eram as sirenes. O resgate havia chegado.

Um alívio momentâneo me invadiu, mas foi logo substituído por um terror ainda maior quando ouvi a voz do meu marido, Ricardo, gritando lá de baixo.

"Salgue a Patrícia primeiro! Por favor, salvem a Patrícia!"

Sua voz estava cheia de pânico e urgência.

"A minha esposa, Ana Paula", ele continuou, a voz embargada, "ela... ela tem a consciência de se sacrificar! Ela entenderá!"

Aquelas palavras.

Elas ecoaram na minha mente, mais quentes e dolorosas que as próprias chamas que me cercavam.

"Ela tem a consciência de se sacrificar."

Naquele instante, tudo ficou claro. A névoa na minha cabeça se dissipou, e uma memória, não desta vida, mas de outra, me atingiu com a força de um raio.

Ricardo também reencarnou.

Na vida passada, a situação era quase idêntica. Um desastre, nós três presos. A diferença era que, naquela vida, eu tinha acabado de contar a ele que estava grávida.

Com a notícia da minha gravidez, ele não hesitou. Ele me salvou primeiro.

Patrícia morreu.

Lembro-me do seu luto, da sua dor, mas nunca imaginei a profundidade do seu arrependimento.

Vinte anos depois, em uma noite de bebedeira, ele me confrontou. Seus olhos estavam cheios de um ódio que eu nunca tinha visto.

"Sabe, Ana Paula", ele disse, a voz arrastada pelo álcool, "às vezes eu me arrependo. Se eu soubesse que as coisas seriam assim, eu teria salvado a Patrícia."

Na época, eu pensei que era apenas a dor e o álcool falando.

Agora, eu sabia a verdade.

Ele não estava bêbado, ele estava sendo sincero. E ele teve sua segunda chance.

A fumaça se adensou. Vi através da cortina de fuligem a silhueta de Ricardo lá embaixo, correndo na direção dos bombeiros, apontando para a janela onde Patrícia estava, implorando.

Ele nem olhou na minha direção.

Meu marido, o homem com quem eu dividia a cama, o pai do filho que crescia dentro de mim, estava me sentenciando à morte para corrigir um "erro" do passado.

Levei a mão instintivamente à minha barriga.

Ainda era um segredo. Eu planejava contar a ele esta noite, em um jantar especial.

Que piada.

Um sorriso amargo se formou em meus lábios. As lágrimas que escorriam pelo meu rosto não eram mais de medo, mas de uma desilusão profunda e cortante.

"Meu bem", sussurrei para o meu ventre, a voz rouca pela fumaça, "parece que somos só nós dois agora."

Eu e meu bebê não precisávamos mais dele.

A decisão foi instantânea, clara como cristal em meio ao caos.

Eu ia viver. Por mim. Pelo meu filho.

Ouvi os gritos dos bombeiros se aproximando.

"Tem mais alguém lá dentro?"

"O marido disse que não! A esposa dele se sacrificou!"

A voz de um dos membros da equipe de resgate confirmou a traição de Ricardo. Ele não apenas escolheu Patrícia, ele me apagou da equação, me transformando em uma mártir voluntária para justificar sua escolha.

A raiva me deu uma força que eu não sabia que tinha.

"Estou aqui!", gritei, com toda a força dos meus pulmões queimados. "Estou viva! Socorro!"

Eu não ia morrer. Não por ele. Não por ela.

Minha nova vida, a minha verdadeira vida, estava começando agora, no meio do fogo.

            
            

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