"É verdade, Ricardo?", perguntei, a voz um fio.
Ele finalmente olhou para mim, mas não para me confortar. Ele deu um passo à frente e colocou a mão no ombro de Patrícia, um gesto protetor e possessivo.
"A Patrícia ficou traumatizada com o incêndio", ele disse, com uma seriedade forçada. "Ela perdeu tudo. É o mínimo que posso fazer, tê-la por perto para que eu possa ajudá-la a se recuperar."
Seu olhar para ela era cheio de uma ternura e adoração que ele nunca, em todos os nossos anos juntos, havia dirigido a mim.
Um riso amargo escapou dos meus lábios.
"Ajudá-la a se recuperar ou apenas facilitar as coisas para vocês dois?", retruquei, o sarcasmo pingando de cada palavra. "Fica mais conveniente ter a amante morando na porta ao lado, não é?"
O rosto de Ricardo se transformou. A máscara de bom samaritano caiu, revelando a raiva por baixo.
"Como você ousa?", ele sibilou, puxando Patrícia para trás dele, como se eu fosse uma ameaça. "Não suje a nossa relação com suas insinuações imundas! O que eu e a Patrícia temos é uma amizade pura, uma conexão de camaradas, de pessoas que passaram pelo inferno juntas!"
"Camaradas?", repeti, a palavra soando absurda.
Sim, eles passaram pelo inferno juntos. Na vida passada, ele a deixou para morrer naquele inferno.
Lembrei-me de como, na vida passada, ele chorou por ela por meses. Como ele se tornou obcecado com a memória dela. Como ele me culpou silenciosamente por anos, mesmo que a escolha de me salvar tivesse sido dele.
Agora eu entendia. A "culpa" não era sobre a morte dela. Era sobre o amor não vivido. A oportunidade perdida.
Esta nova vida era a chance dele de reescrever a história, e eu era apenas um obstáculo, um lembrete vivo do seu "erro" anterior.
Toda a fantasia que eu ainda nutria, por menor que fosse, se desfez naquele momento. Não havia nada para salvar. Nunca houve.
"Tudo bem", eu disse, minha voz subitamente calma, vazia de toda emoção. "Faça o que você quiser, Ricardo."
Minha resignação pareceu irritá-lo mais do que minha raiva. Ele esperava uma briga, lágrimas, súplicas. Ele não recebeu nada.
"Ótimo", ele cuspiu, impaciente. Ele pegou a mão de Patrícia. "Vamos, Pati. Não vamos perder nosso tempo aqui. Tenho que te levar para ver os móveis novos."
Eles se viraram e saíram, de mãos dadas, sem um olhar para trás.
A porta se fechou, me deixando sozinha no silêncio opressor.
Alguns minutos depois, um jovem, provavelmente um assistente ou funcionário de Ricardo, entrou timidamente no quarto.
"Senhora...", ele começou, sem me olhar nos olhos. "O senhor Ricardo pediu para avisar que as despesas do hospital serão pagas. Ele também disse que, quando a senhora tiver alta, não precisa se preocupar em desfazer as malas. A maior parte das suas coisas já foi movida para o quarto de hóspedes para abrir espaço para o novo closet da senhora Patrícia."
Ele deixou a mensagem humilhante no ar e saiu apressado, como se o quarto estivesse contaminado.
Eu não chorei.
Apenas fechei os olhos e respirei fundo, sentindo o cheiro de antisséptico do hospital.
O quarto de hóspedes.
Ele não estava apenas me substituindo. Estava me apagando.