O chão da cozinha era frio.
Eu estava sentada, abraçando Isabela, que finalmente tinha adormecido no meu colo, exausta de tanto chorar.
O cheiro de comida estragada e vinho azedo estava impregnado no ar.
Olhei ao redor. A cozinha, que sempre foi meu santuário, meu lugar de criação e alegria, agora era uma prisão.
Meu coração estava estranhamente calmo. Anos de humilhações, de pequenas e grandes traições, tinham me anestesiado.
Lembrei-me do dia em que descobri o primeiro batom na camisa dele. Ele riu e disse que era de uma cliente entusiasmada. Eu acreditei.
Lembrei-me das noites em que ele chegava tarde, cheirando a um perfume que não era o meu. Ele dizia que eram reuniões de negócios. Eu fingi acreditar.
Lembrei-me dos aniversários esquecidos, dos planos cancelados no último minuto, do seu distanciamento crescente. Cada desculpa, cada mentira, foi uma pequena morte para o meu amor.
Agora, trancada na minha própria cozinha, eu não sentia mais nada por ele. Apenas um vazio gelado.
A humilhação de hoje não foi a pior. Foi apenas a última. A gota d'água que finalmente transbordou um copo que já estava cheio há muito tempo.
Ouvi passos do lado de fora da porta. A voz de Isabela, ainda sonolenta, murmurou.
"Mamãe, o papai vai nos deixar sair?"
Sua voz era tão pequena, tão cheia de uma esperança que eu já não tinha.
"Eu não sei, meu amor", sussurrei, acariciando seus cabelos.
A maçaneta girou, mas a porta não abriu. Era apenas Ricardo, verificando se ainda estávamos ali.
Isabela, ouvindo o barulho, levantou-se e correu para a porta.
"Papai? Papai, por favor, abre a porta. A mamãe está triste."
Sua pequena mão batia na madeira.
"Papai, eu te amo. Deixa a gente sair."
A voz dele veio do outro lado, abafada e cheia de desprezo.
"Saia daí, Isabela. Não quero falar com você."
O coração da minha filha, tão puro e inocente, se partiu em mil pedaços. Eu ouvi.
"Mas, papai..."
"Eu disse para sair! Você está suja, igual a sua mãe. Uma imunda. Não me chame de pai."
O silêncio que se seguiu foi mais doloroso do que qualquer grito.
Isabela se afastou da porta, seus ombros pequenos curvados em derrota. Ela voltou para mim, o rosto pálido, os olhos grandes e cheios de uma dor que nenhuma criança de seis anos deveria conhecer.
Ela não chorou. Apenas se sentou ao meu lado e me abraçou com força.
"Ele não me quer mais, mamãe."
Eu a apertei contra mim, meu próprio coração se quebrando por ela.
"Eu te quero, meu amor. Eu sempre vou te querer."
Lembrei-me de um dia, há alguns anos, quando Isabela estava com febre alta. Eu liguei para Ricardo, desesperada. Ele estava em uma "viagem de negócios".
"Estou ocupado, Sofia. Dê um remédio a ela. Crianças ficam doentes, supere isso."
Mais tarde, vi uma foto nas redes sociais de Clara. Ela estava em um resort de luxo. Na legenda: "Melhor viagem de negócios de todas". No reflexo dos seus óculos de sol, eu vi o rosto de Ricardo sorrindo para ela.
Naquele dia, eu passei a noite inteira sozinha, segurando a mão febril da minha filha, e entendi que na vida do homem com quem me casei, nós éramos apenas um inconveniente.
Agora, o som de seus passos se distanciava, seguido pela risada de Clara. Eles estavam indo para o nosso quarto. O quarto onde eu dei à luz a Isabela. O quarto que um dia foi nosso ninho de amor.
A raiva, que eu pensei estar morta, começou a borbulhar dentro de mim. Não por mim. Pela minha filha.
Ricardo podia me humilhar, me trair, me trancar. Mas ele não tinha o direito de destruir a inocência de Isabela. Ele não tinha o direito de fazê-la sentir que não era amada.
Aquele homem não era mais meu marido. E ele não era mais o pai da minha filha.
Ele era um monstro. E eu precisava salvar Isabela dele.
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