O Herdeiro e a Pescadora
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Capítulo 2

O dia seguinte foi um borrão de humilhação. João, agora plenamente assumido como Ricardo, voltou. Mas não sozinho. Ao lado dele estava Isabella, a tal herdeira da indústria pesqueira. Ela era alta, magra, com cabelos loiros perfeitos e um sorriso que não alcançava os olhos. Usava um vestido branco leve que provavelmente custava mais do que eu ganhava em um ano na barraca de peixe.

Eles entraram na minha pequena casa de madeira, a mesma casa que eu tinha limpado e decorado com tanto carinho, como se fossem os donos do lugar. Isabella olhou ao redor com uma expressão de puro nojo, o nariz empinado como se sentisse um cheiro ruim.

"É aqui que você morava?" , ela perguntou a Ricardo, a voz carregada de zombaria. "Que rústico. Quase... primitivo."

Ricardo não respondeu. Ele estava focado em mim, seu olhar era uma mistura de impaciência e irritação.

"Sofia, viemos acertar as coisas. Isabella e eu vamos nos casar o mais rápido possível. Precisamos que você desapareça. Minha mãe já providenciou o dinheiro e a sua passagem."

Ele jogou um envelope grosso na mesa de madeira. O som do papel batendo na superfície ecoou no silêncio tenso.

A cena era tão surreal que por um momento eu me senti desconectada do meu próprio corpo. A dor da traição era uma brasa quente no meu peito. Lembrei-me das noites em que ele me abraçava naquela mesma casa, dizendo que eu era o seu mundo, a sua única memória, a sua única certeza. Lembrei-me dele segurando Pedro pela primeira vez, os olhos brilhando de uma emoção que eu pensei ser amor verdadeiro.

Tudo mentira.

"Então é isso?" , minha voz saiu trêmula, apesar de eu tentar controlá-la. "Seis anos da minha vida, um filho, e tudo se resume a um envelope de dinheiro?"

Isabella soltou uma risada curta e cruel.

"Seis anos? Querida, você deveria agradecer. Ricardo te deu seis anos de uma vida que você nunca teria. E um filho. Agora, pegue o dinheiro como uma boa menina e vá embora. Ninguém quer ouvir seu drama de pobre coitada."

A provocação dela foi direta, feita para me ferir. E feriu. Mas a raiva que subiu pela minha garganta foi mais forte.

"Você não sabe nada sobre a minha vida" , eu disse, olhando diretamente para ela.

"Eu sei o suficiente" , ela retrucou, dando um passo à frente. "Eu sei que você é uma ninguém de uma vila de pescadores que tentou dar o golpe do baú em um homem rico. Mas o jogo acabou."

Ricardo, que até então estava quieto, interveio. Mas não para me defender.

"Chega, Sofia. Não torne as coisas mais difíceis. Aceite e vá."

A frieza dele foi o que mais me machucou. Não havia um pingo de remorso, de carinho, de nada. Era como se os nossos seis anos juntos tivessem sido apagados da existência dele.

"E Pedro?" , perguntei, o nome do meu filho saindo como um sussurro.

"Pedro ficará conosco. Ele é um Vasconcelos. Terá a melhor educação, as melhores roupas, tudo do bom e do melhor. Coisas que você nunca poderia dar a ele" , Ricardo disse, a voz dura.

Naquele momento, Pedro, que estava no quarto, ouviu as vozes alteradas e apareceu na porta, os olhinhos sonolentos. Ele viu o pai, a mulher estranha e a tensão no ar. Correu para Ricardo, abraçando sua perna.

"Papai."

Ricardo, para minha surpresa, se agachou e afagou a cabeça do menino. Mas então ele disse algo que quebrou a última fibra do meu coração.

"Pedro, essa é Isabella. Ela vai ser sua nova mãe."

Pedro olhou de Isabella para mim, confuso. Eu me ajoelhei, tentando alcançá-lo, mas Ricardo me barrou com o braço.

"Não confunda o menino, Sofia."

A violência do gesto, o jeito como ele me empurrou para trás, foi um choque. Não foi forte, mas foi firme. Foi um ato de repúdio.

Pedro, vendo a cena, começou a chorar. Ele não entendia o que estava acontecendo. E então, o golpe final. Influenciado pela tensão, pela frieza do pai e pelo olhar assustador de Isabella, ele olhou para mim.

"Eu não quero você! Quero o papai!" , ele gritou, as pequenas lágrimas escorrendo pelo seu rosto. Ele se agarrou com mais força à perna de Ricardo.

Ricardo olhou para mim, um sorriso presunçoso no rosto. Ele nem tentou consolar o filho que ele mesmo tinha perturbado. Ele estava usando nosso filho contra mim.

Naquele instante, algo dentro de mim morreu. Qualquer resquício de amor, de esperança, de sentimento que eu ainda pudesse ter por João, ou Ricardo, evaporou. A brasa quente no meu peito se transformou em cinzas frias.

Eu me levantei, o corpo rígido. Olhei para os três: o homem que me traiu, a mulher que me humilhou e o filho que, naquele momento de confusão infantil, me rejeitou.

Eu estava completamente sozinha. E, de uma forma estranha e dolorosa, eu estava livre.

"Tudo bem" , eu disse, a voz vazia de emoção. "Eu vou embora."

Peguei o envelope da mesa sem olhar para eles. Virei as costas e fui para o meu quarto arrumar a única mala pequena que eu tinha. Eu não olhei para trás. Não derramei uma lágrima. A dor era tão profunda que tinha ido além das lágrimas. Era um vazio gelado. E nesse vazio, uma única semente de determinação foi plantada. Eu ia sobreviver. E eu ia prosperar. Longe deles. Longe de tudo isso.

            
            

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