Enquanto caminhava pela praia uma última vez, para me despedir do mar que sempre fora meu confidente, encontrei um rosto familiar. Era o Sr. Almeida, um velho pescador que me ensinou a limpar peixes quando eu era apenas uma menina. Ele sempre foi gentil comigo.
"Sofia, minha filha. Fiquei sabendo das notícias" , ele disse, a voz rouca e cheia de simpatia. "Aquele rapaz... nunca confiei nele. Tinha algo nos olhos dele."
Suas palavras foram um pequeno bálsamo na minha ferida aberta. Era bom saber que alguém via a verdade.
"Estou indo embora, Sr. Almeida" , eu disse, forçando um sorriso.
"Para onde?" , ele perguntou.
"Para longe. Recomeçar."
Ele colocou a mão enrugada no meu ombro. "Você é uma mulher forte, Sofia. Mais forte do que pensa. Você vai ficar bem. O mar sempre devolve o que não lhe pertence."
Aquelas palavras ficaram comigo.
No meu último dia na vila, decidi ir ao pequeno mercado local para comprar algumas coisas para a viagem. E foi lá que o destino, ou o azar, me pregou mais uma peça.
Ricardo e Isabella estavam lá. Não fazendo compras, claro. Eles estavam sendo apresentados à comunidade pelo prefeito, como os grandes benfeitores que iriam "revitalizar" a vila. Era um espetáculo de relações públicas. Ricardo, no seu terno caro, sorrindo e apertando as mãos das pessoas. Isabella ao seu lado, a imagem da noiva troféu perfeita.
Eles estavam perto da barraca de frutas quando me viram. Eu tentei me virar e sair, mas era tarde demais.
No mesmo momento, o Sr. Almeida também se aproximou, carregando uma caixa de laranjas. Ele viu Ricardo e seu rosto se fechou.
"Então esse é o homem que te fez sofrer, Sofia?" , ele disse alto o suficiente para que todos ouvissem.
Ricardo se virou, o sorriso falso desaparecendo do seu rosto. Ele viu o Sr. Almeida e depois a mim. A raiva brilhou em seus olhos.
"Cale a boca, velho. Não se meta onde não é chamado" , Ricardo rosnou.
"Eu me meto onde eu quiser. Especialmente quando vejo um canalha tratando uma moça de bem como lixo" , retrucou o Sr. Almeida, sem se intimidar.
O que aconteceu em seguida foi rápido e feio. Ricardo, o herdeiro rico e polido, perdeu o controle. Ele empurrou o Sr. Almeida com força. O velho pescador, já frágil pela idade, tropeçou para trás e caiu no chão, espalhando as laranjas por toda parte.
Um grito coletivo se ergueu da pequena multidão. Eu corri para ajudar o Sr. Almeida a se levantar.
Ricardo se virou para mim, o rosto vermelho de fúria.
"Isso é culpa sua! Você e essa sua gente! Por que você ainda está aqui? Eu não te paguei para sumir?"
A humilhação pública, o ataque a um homem idoso e inocente, a crueldade em sua voz... tudo isso quebrou a minha calma. A semente de determinação dentro de mim brotou como uma planta raivosa.
Eu me levantei, ficando entre Ricardo e o Sr. Almeida. Olhei diretamente nos olhos dele.
"Você me pagou para sair da sua vida, Ricardo. E eu vou. Mas enquanto eu estiver nesta terra, você não vai maltratar as pessoas que foram boas para mim" , minha voz saiu firme e alta. "Você pode ter dinheiro, pode ter um nome, mas você não tem caráter. Você é um fraco e um covarde."
O queixo de Ricardo caiu. Ele não esperava que eu revidasse. Isabella, ao seu lado, parecia horrorizada não pela violência dele, mas pela minha audácia.
"Como você ousa falar assim com o meu noivo?" , ela sibilou.
Eu a ignorei. Meu foco era o homem que havia destruído minha vida.
"Fique longe de mim. Fique longe desta vila. Você já causou dor suficiente" , eu disse, minha voz cortante.
De repente, uma pequena mão puxou a calça de Ricardo. Era Pedro. Ele tinha vindo com eles, vestido com roupinhas novas e caras que pareciam desconfortáveis nele. Ele tinha visto tudo.
Ele olhou para o pai, depois para mim, depois para Isabella. Então, ele tomou sua decisão. Ele se escondeu atrás de Isabella, agarrando-se ao vestido dela.
"Eu quero a mamãe Isa" , ele disse, a vozinha infantil apontando para Isabella. "Você é má."
Aquelas duas palavras, "você é má" , ditas pelo meu próprio filho, foram o último elo a se quebrar. A última conexão com o meu passado. Não doeu mais. Apenas confirmou o que eu já sabia. Não havia nada ali para mim. Nada pelo que lutar.
Eu me virei, ajudei o Sr. Almeida a se levantar e o levei para longe daquela cena patética. Eu não olhei para trás. Eu não precisava. O futuro estava à minha frente, e pela primeira vez, ele parecia uma tela em branco, esperando por mim para pintá-la. E eu não ia usar as cores do meu passado.