"Ricardo, meu amor, você acordou," ela sussurrou, a voz trêmula. "Eu fiquei tão preocupada. Pensei que ia te perder."
Ela apertou minha mão com força. Seu toque era quente, familiar. Por um momento, senti um alívio imenso. Ela estava ali. Ela se importava.
Mas então, algo estranho aconteceu.
Bem na frente dos meus olhos, como uma legenda de filme, uma linha de texto azul apareceu flutuando no ar.
[A preocupação de Isabela é 99% fingimento. Objetivo: manter o controle emocional sobre o alvo.]
Pisquei, confuso. Fechei os olhos com força e os abri de novo. A legenda ainda estava lá, clara como o dia.
[Nível de amor verdadeiro de Isabela por Ricardo: 1%. Nível de interesse estratégico: 99%.]
Meu coração gelou. Que diabos era aquilo? Efeito da anestesia? Uma alucinação?
"Amor, você está bem? Você parece pálido," Isabela disse, a expressão de preocupação em seu rosto se aprofundando.
Uma nova legenda apareceu.
[Isabela detecta a confusão do alvo. Aumentando o nível da performance de "esposa devotada".]
Olhei para o rosto dela, para os lábios trêmulos, para os olhos marejados. Era uma atuação. A legenda dizia que era uma atuação. Um calafrio percorreu minha espinha, ignorando a dor na minha perna.
Eu devia estar ficando louco.
"Minha... minha irmã," consegui dizer, a garganta seca. "Cadê a Sofia?"
Eu precisava de um rosto familiar, alguém em quem eu confiava sem reservas. Sofia, minha irmã mais velha, sempre foi meu pilar, minha protetora desde que nossos pais morreram.
"Ela está resolvendo a papelada da sua internação, querido. Ela está arrasada, mal conseguiu parar de chorar," Isabela respondeu, acariciando meu cabelo.
Naquele exato momento, Sofia entrou no quarto. Seus olhos também estavam inchados e ela correu para o meu lado.
"Ricardo! Graças a Deus! Como você está se sentindo? Aquele desgraçado que te atropelou... eu vou garantir que ele pague por isso!"
Ela me abraçou com cuidado, o rosto contraído de angústia. Eu senti o cheiro do perfume dela, o mesmo que ela usava há anos. Era o cheiro de casa, de segurança.
Mas então, as legendas voltaram, cruéis e implacáveis.
[A preocupação de Sofia é 100% fingimento. Ela é cúmplice no plano.]
[Objetivo de Sofia: Reforçar a imagem de "irmã protetora" para manter a confiança total do alvo.]
Meu ar sumiu. Não. Não a Sofia. Qualquer um, menos ela.
[O acidente de Ricardo não foi um acidente. Foi planejado por Marcos, com a cooperação de Isabela e Sofia. Objetivo: encerrar a carreira de Ricardo no futebol permanentemente.]
Um zumbido alto encheu meus ouvidos. O quarto começou a girar. Marcos. Meu melhor amigo. Meu companheiro de time, a quem eu considerava um irmão. Aquele que eu ajudei a entrar no clube, que eu apoiei em todas as crises. O padrinho do meu casamento com Isabela.
[Plano original sugerido por Isabela: envenenamento lento. Plano modificado por Marcos para "acidente de carro" por ser mais rápido e gerar mais simpatia pública para ele.]
Olhei para as duas mulheres da minha vida. Minha esposa e minha irmã. Seus rostos eram máscaras de dor e preocupação. Mas agora, graças a essas legendas infernais, eu via as rachaduras. Eu via a mentira por baixo da tinta.
A traição era tão avassaladora, tão completa, que não doía. Era um vazio. Um buraco negro se abrindo no meu peito, engolindo tudo. O amor, a confiança, a família. Tudo se desfez em pó.
"Ele precisa descansar," a voz de Sofia soou distante.
"Sim, vamos deixar ele dormir um pouco," concordou Isabela.
Elas me deram um beijo na testa, um gesto que agora me causava repulsa, e saíram do quarto, fechando a porta suavemente atrás delas.
Fiquei sozinho, encarando o teto branco, enquanto as legendas continuavam a piscar, revelando cada detalhe podre da conspiração deles.
Alguns dias depois, recebi alta. Sofia e Isabela me ajudaram a entrar no carro. A conversa delas era animada, falando sobre como cuidariam de mim, sobre como tudo ficaria bem. Eu não disse uma palavra. Apenas olhava pela janela, vendo o mundo passar, um borrão de cores sem sentido.
Quando chegamos em casa, a casa que eu comprei com o suor do meu trabalho, a casa que deveria ser meu santuário, eu não consegui sair do carro.
Sofia abriu a porta para mim. "Vamos, Ric. Você precisa entrar e descansar."
Fiquei parado, olhando para a porta da frente. Aquele lugar não era mais meu lar. Era o palco de uma farsa, e eu era o palhaço principal. Entrar ali seria como entrar na minha própria cova.
"Ric?" Isabela chamou, a voz tingida de impaciência.
Olhei para elas. Duas atrizes talentosas. E Marcos, o diretor por trás das câmeras.
[Ricardo está hesitando. Iniciar protocolo de manipulação por culpa.]
"Ricardo, não faça isso conosco," disse Sofia, sua voz agora embargada. "Já estamos sofrendo tanto."
Sim, eu imaginei. Sofrendo com o sucesso do plano.
Uma ideia absurda, mas estranhamente lúcida, começou a se formar na minha mente. Se minha vida era um jogo manipulado, talvez a única maneira de vencer fosse parar de jogar. Sair do tabuleiro completamente.
Pensei nos mosteiros que via em documentários. Lugares de silêncio, de desapego. Lugares onde o mundo exterior não podia te alcançar.
"Talvez eu devesse virar monge," murmurei para mim mesmo, um sorriso amargo e sem humor nos lábios.
As legendas piscaram furiosamente.
[ALERTA DE SISTEMA: O alvo está considerando uma rota de fuga não prevista na estratégia. Probabilidade de perda de controle: 15% e aumentando. Aconselhar as estrategistas a redobrar os esforços de manipulação.]
Elas não ouviram o que eu disse. Mas eu vi o alerta. E pela primeira vez naquele inferno, senti uma faísca de poder.
Se meu sofrimento era o combustível deles, o que aconteceria se eu parasse de sofrer? E se eu simplesmente... não me importasse mais?