Caminhos De Liberdade
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Capítulo 1

O cheiro de tinta fresca ainda pairava no ar do meu pequeno apartamento, um lembrete constante de que eu estava recomeçando. Hoje era o dia. O único dia da semana em que Pedro me permitia ver meu filho.

Meu filho, João.

Meu coração batia descompassado enquanto eu escolhia uma roupa. Peguei um vestido simples, de cor clara, algo que uma mãe "normal" usaria. Eu precisava parecer estável, recuperada, sã. Qualquer coisa que fizesse Pedro reconsiderar.

Minhas mãos tremiam um pouco ao passar um batom discreto. O reflexo no espelho mostrava uma mulher mais magra, com olheiras que a maquiagem não conseguia esconder completamente, mas meus olhos tinham um brilho de determinação que não existia há meses. A terapia com o Dr. Ricardo estava funcionando. Eu estava saindo do poço escuro da depressão pós-parto e do esgotamento.

Eu estava pronta para ser mãe. Pronta para ter meu filho de volta.

A lembrança da última vez que tentei argumentar com Pedro veio como um soco no estômago.

Foi há duas semanas, no escritório dele. O lugar era frio, impessoal, todo em vidro e aço, assim como o homem que eu um dia amei.

"Pedro, eu estou melhor. As sessões estão ajudando. Eu quero o João de volta em casa."

Ele nem sequer levantou os olhos dos papéis em sua mesa.

"Ana, não comece. Você não tem condições."

"Eu tenho! Eu sou a mãe dele!"

"Uma mãe que mal conseguia sair da cama. Uma mãe que chorava o dia todo. Você acha que isso é bom para uma criança? Clara está fazendo um trabalho excelente. João está feliz e seguro com ela."

Sua voz era calma, desprovida de qualquer emoção, o que a tornava ainda mais cruel. Ele falava como se estivesse discutindo um negócio, não o destino do nosso filho.

"Clara não é a mãe dele. Ela é sua 'amiga' ."

A forma como eu disse a palavra "amiga" fez com que ele finalmente me olhasse. Seus olhos eram frios como gelo.

"Clara é mais mãe para ele do que você jamais foi. Acabou a conversa."

Ele se levantou, ajeitou o terno caro e simplesmente saiu da sala, me deixando sozinha com o eco de suas palavras.

Sacudi a cabeça, afastando a memória dolorosa. Hoje seria diferente. Eu não ia implorar. Eu ia observar, reunir provas de que eu estava certa, de que algo estava errado.

O Uber parou em frente à mansão imponente que um dia chamei de lar. Respirei fundo e saí do carro. Cada passo em direção àquela porta gigante parecia pesar uma tonelada.

Toquei a campainha.

A porta se abriu, e não foi Pedro quem me recebeu. Foi Clara.

Ela usava um vestido de seda que parecia caro demais para um dia em casa. Um sorriso falso se espalhou por seus lábios.

"Ana! Que bom te ver. Você parece... melhor."

O veneno em sua voz era sutil, mas eu o senti.

"Eu vim ver o meu filho, Clara."

"Claro, claro, entre. Pedro está em uma ligação importante. O trabalho nunca para, você sabe."

Ela me deu as costas e caminhou para a sala de estar. Eu a segui, meu coração apertando a cada passo.

E então eu o vi.

Meu João.

Ele estava em um cercadinho no canto da sala. Estava menor do que eu me lembrava. Uma mancha vermelha e irritada se destacava em sua bochecha pálida. Ele estava quieto, quieto demais para um bebê de poucos meses. Seus olhos grandes pareciam vazios.

Clara se aproximou do cercadinho com uma mamadeira na mão.

"Olha quem está com fome de novo. Esse menino tem um apetite de leão."

Ela enfiou o bico da mamadeira na boca dele com uma força desnecessária. João se engasgou um pouco, virando o rosto, mas ela insistiu.

Uma onda de fúria e pânico subiu pela minha espinha.

"Pare. Você está o machucando."

Minha voz saiu mais firme do que eu esperava.

Clara se virou para mim, o sorriso falso de volta no lugar.

"Não seja boba, Ana. É assim que ele gosta. Ele é um bebezinho teimoso."

"Me dê ele. Eu quero segurá-lo."

Eu me movi em direção ao cercadinho.

Clara se interpôs entre mim e meu filho, seu corpo bloqueando meu caminho.

"Acho melhor não. Ele acabou de mamar, pode vomitar. E com essa sua... instabilidade, não queremos que ele se assuste, não é?"

A humilhação queimou em meu rosto. Ela estava usando as palavras de Pedro, as minhas fraquezas, contra mim.

Naquele momento, Pedro entrou na sala, o celular ainda colado na orelha. Ele encerrou a chamada com um gesto impaciente.

"O que está acontecendo aqui?"

"Pedro!" , corri até ele, minha voz um sussurro desesperado. "Olhe para o João. Ele não está bem. Aquela mancha no rosto dele... e a forma como Clara o trata..."

Pedro lançou um olhar rápido para o cercadinho e depois para mim, sua expressão era de puro fastio.

"Ana, pelo amor de Deus. É só uma assadura. E Clara está cuidando muito bem dele. Não comece com seu drama. Você tem uma hora. Aproveite."

Ele se virou, pronto para sair.

"Pedro, por favor, me escute!"

Ele parou, mas não se virou.

"Eu estou te escutando, Ana. E estou cansado de ouvir suas reclamações. Se você não consegue nem mesmo fazer uma visita sem causar problemas, talvez seja melhor repensarmos esses encontros."

A ameaça pairou no ar, fria e cortante.

Clara, sentindo sua vitória, se abaixou e pegou João do cercadinho. Ela o segurava de uma forma estranha, quase como um objeto.

"Vamos, meu amorzinho. Vamos para o seu quarto, para longe de toda essa agitação. A titia vai cuidar de você."

Ela sorriu para mim por cima do ombro de João, um sorriso de triunfo absoluto, e o levou para fora da sala, subindo as escadas.

Eu fiquei ali, paralisada, ouvindo os passos dela se afastarem e o som da porta do quarto de João se fechando. Sozinha na sala de estar fria, com o olhar indiferente de Pedro me queimando as costas. Eu não tinha conseguido nem tocar no meu filho.

            
            

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