Eu não me lembro de desligar o telefone. Não me lembro de pegar minha bolsa ou de chamar um carro. A próxima coisa que soube é que eu estava correndo pelos corredores brancos e estéreis do hospital, o som dos meus sapatos ecoando o pânico em meu peito.
Uma enfermeira me encontrou no balcão da emergência. Seu rosto era uma máscara de pena. Ela me guiou por um corredor silencioso até uma pequena sala de espera.
"O médico virá falar com a senhora em breve."
Eu não me sentei. Fiquei em pé, tremendo, abraçando meu próprio corpo.
O tempo se arrastou. Cada segundo era uma tortura. Onde estava Pedro? Onde estava Clara?
Finalmente, a porta se abriu. Um médico com um rosto cansado e triste entrou. Ele se apresentou como Dr. Almeida.
Ele não precisou dizer nada. Eu vi nos olhos dele.
"Eu sinto muito, senhora Oliveira."
Aquelas palavras. Aquelas quatro palavras que destroem universos.
"Não..." , o som saiu da minha garganta, um ruído animalesco. "Não... ele está bem. Ele tem que estar bem."
"A queda foi muito grave. Ele teve um traumatismo craniano severo. Nós fizemos tudo o que podíamos, mas..."
Eu parei de ouvir. O mundo ao meu redor se dissolveu em um zumbido alto e ensurdecedor. Minhas pernas cederam e eu caí de joelhos no chão frio do hospital. Um grito rasgou minha garganta, um som de pura agonia, de uma dor tão profunda que parecia que meu corpo estava sendo partido ao meio.
Meu filho. Meu bebê. Meu João.
Não. Não podia ser.
Era um pesadelo. Eu ia acordar.
Mas eu não acordei. A dor era real, física, esmagadora.
Eu não sei quanto tempo fiquei ali no chão, soluçando, até que a porta se abriu novamente.
Pedro entrou.
Ele não estava correndo. Não estava pálido de pânico. Ele caminhava calmamente, o celular na mão, o rosto franzido em aborrecimento.
"Que inferno. Tive que sair no meio de uma reunião importantíssima. O que aconteceu? Clara me ligou chorando, não entendi nada."
Ele olhou para mim no chão, depois para o médico, e uma sombra de impaciência cruzou seu rosto.
"O que foi?"
O médico, visivelmente chocado com a atitude de Pedro, pigarreou.
"Senhor Oliveira, eu sinto informar, mas seu filho... ele não resistiu."
Pedro piscou. Por um instante, apenas um, vi uma rachadura em sua fachada de gelo. Mas foi só por um instante.
Ele guardou o celular no bolso.
"Entendo."
Foi tudo o que ele disse. "Entendo."
Eu me levantei, cambaleando. Olhei para o homem com quem me casei, o pai do meu filho morto, e vi um estranho. Um estranho frio e calculista.
E naquele momento, uma clareza terrível e cortante me atingiu.
Nosso casamento não era uma parceria. Era uma transação. Eu era a arquiteta talentosa de uma família respeitada, uma boa adição ao seu portfólio de sucesso. João era o herdeiro, mais um item para a lista de conquistas dele. Mas quando eu quebrei, quando eu me tornei um "problema" , ele simplesmente me descartou e terceirizou a criação do herdeiro para alguém mais conveniente.
Meu filho. Meu filho morreu por causa dessa conveniência.
"Acabou, Pedro."
Minha voz era um fio, mas carregada com o peso de todo o aço do mundo.
Ele me olhou, confuso.
"O que acabou?"
"Nós. Você e eu. Acabou."
Naquele momento, a porta se abriu e Clara entrou correndo, o rosto banhado em lágrimas de crocodilo.
"Pedro! Oh, meu Deus, Pedro! Foi horrível! Eu só me virei por um segundo..."
Ela se jogou nos braços dele, soluçando dramaticamente.
Ver aquilo... ver aquela mulher nos braços dele, depois de tudo...
Uma fúria branca e pura tomou conta de mim.
Eu marchei até ela.
Puxei-a pelos cabelos, tirando-a dos braços de Pedro.
E dei um tapa em seu rosto. Com toda a força que eu tinha.
O som ecoou na pequena sala.
Clara gritou, mais de surpresa do que de dor.
"VOCÊ!" , eu gritei, minha voz rouca de dor e ódio. "FOI CULPA SUA!"
Pedro reagiu instantaneamente. Ele me agarrou pelos braços, me afastando dela.
"Ana, você ficou louca?!"
Ele me empurrou para trás, com força. E então, ele se virou e abraçou Clara, protegendo-a. Consolando-a.
"Calma, meu bem, calma. Ela não sabe o que está fazendo."
Ele olhou para mim por cima do ombro dela, e seus olhos não tinham nada além de desprezo.
Aquele gesto. Aquele simples gesto de escolher ela, de proteger a mulher que causou a morte do nosso filho, em vez de mim, a mãe em luto... foi a pá de cal.
Eu me virei, ignorando os dois. Fui até a porta, mas parei e olhei para trás uma última vez. Meus olhos encontraram os dele.
"Eu quero o divórcio, Pedro. E eu juro, eu juro por tudo o que é mais sagrado, que você e ela vão pagar por isso."
Saí da sala e não olhei para trás. Enquanto eu caminhava pelo corredor do hospital, uma figura mais velha e imponente vinha em minha direção. A mãe de Pedro. Seus olhos duros me avaliaram de cima a baixo.
"Ana. O que aconteceu? Onde está o meu neto?"
Eu parei na frente dela. A mulher que sempre me pressionou, que me via apenas como uma incubadora para o "herdeiro perfeito" .
Eu a encarei, o rosto sem expressão, a dor dentro de mim se transformando em uma armadura fria.
"Pergunte ao seu filho. E à cadela dele."
Eu passei por ela sem esperar por uma resposta, deixando-a paralisada no meio do corredor. A guerra estava apenas começando.