Caminhos De Liberdade
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Capítulo 3

O funeral foi um borrão de preto e cinza. Um caixão minúsculo. Flores brancas que pareciam zombar da ausência de vida.

Eu me mantive de pé, rígida, seca. As lágrimas haviam acabado no chão do hospital. O que restava era um vazio gelado e uma raiva que queimava em fogo baixo, me mantendo em pé.

Pedro e sua família estavam do outro lado. Ele, com uma expressão de luto ensaiada. Clara, agarrada ao braço dele, soluçando discretamente em um lenço de grife. A mãe dele me lançava olhares de pura reprovação, como se a culpa fosse minha.

Quando tudo acabou, recusei a carona de Pedro. Peguei um táxi de volta para o meu pequeno apartamento.

Assim que fechei a porta atrás de mim, meu corpo cedeu. Deslizei pela porta até o chão, e o mundo desabou. A força que me sustentou durante o funeral se esvaiu, e a realidade me atingiu com a força de um trem.

Meu filho estava morto.

Eu nunca mais o veria sorrir. Nunca ouviria sua primeira palavra. Nunca o seguraria em meus braços novamente.

A dor era um oceano, e eu estava me afogando. Fiquei ali, encolhida no chão, por horas, até que a campainha tocou.

Eu ignorei.

A campainha tocou de novo, insistente. Depois, batidas na porta.

"Ana, eu sei que você está aí. Abra a porta. Sou eu, sua sogra."

A voz de Dona Elvira era autoritária, como sempre. Com um esforço imenso, me arrastei até a porta e a abri.

Ela entrou, o perfume caro invadindo meu pequeno espaço. Seus olhos percorreram meu apartamento com desdém antes de pousarem em mim.

"Olhe para o seu estado. Patético."

"O que você quer?" , minha voz era um fiapo.

"Eu quero que você pare com essa loucura de divórcio. Pense na reputação da família. Pense no que as pessoas vão dizer."

Eu ri. Um som seco e sem humor.

"Reputação? Meu filho está morto, Elvira. E a única coisa com que você se importa é a reputação?"

"Foi um acidente trágico" , disse ela, a voz fria. "Mas a vida continua. Pedro precisa de uma esposa ao seu lado, não de um escândalo."

Foi então que eu disse a ela. Tudo.

"Não foi um casamento, Elvira. Foi um acordo. Eu era a noiva troféu, a arquiteta de boa família. E quando a noiva troféu quebrou, quando eu tive a audácia de ter depressão pós-parto, seu filho me descartou."

O rosto dela se contraiu.

"Não fale assim. Você estava doente. Ele fez o que era melhor para a criança."

"Melhor? Entregar meu filho para uma mulher ciumenta e cruel? Eu vi, Elvira. Eu vi como ela o tratava. Eu avisei o Pedro. Eu implorei."

Fiz uma pausa, respirando fundo.

"Eu me lembro das suas visitas depois que o João nasceu. Você nunca perguntou como eu estava. Você só queria saber se o bebê era 'perfeito' . Se ele seria um 'herdeiro digno' . Você me pressionou, você me criticou, você me fez sentir como uma falha completa."

Lembranças inundaram minha mente. Elvira criticando meu jeito de segurar o bebê. Pedro chegando tarde em casa, cheirando a um perfume que não era o meu. Clara ligando para ele em horários estranhos, com a desculpa de pedir conselhos sobre o bebê.

"Seu filho me negligenciou. Ele me traiu. E você foi cúmplice em tudo isso com sua pressão e suas expectativas impossíveis. Vocês dois criaram o ambiente perfeito para aquela mulher fazer o que fez."

"Isso é um absurdo! Clara adorava o menino."

"Ela adorava a ideia de tomar o meu lugar. Ela o maltratou por inveja, por ciúmes de uma vida que ela achava que eu tinha. E Pedro foi cego demais, egoísta demais para ver."

Eu me levantei, sentindo uma nova força fluir em minhas veias. A força da verdade.

"Então, não. Eu não vou parar com o divórcio. Eu vou até o fim. Eu quero a minha liberdade. Eu quero sair desta família tóxica que me tirou tudo."

Dona Elvira me olhou, seus olhos duros como pedras. Ela percebeu que suas táticas de intimidação não estavam funcionando.

"Você vai se arrepender disso, Ana. Pedro é um homem poderoso. Você não terá nada. Você sairá desta história sem um centavo e sem dignidade."

"Eu já perdi tudo o que importava" , respondi, minha voz fria como o ártico. "Dinheiro não significa nada para mim agora. E minha dignidade? Eu a estou recuperando agora mesmo, ao dizer não a vocês."

Ela ficou em silêncio por um momento, me estudando.

"Muito bem. Se é assim que você quer."

Ela se virou e caminhou em direção à porta. Antes de sair, ela parou e olhou para mim uma última vez.

"Mas não pense que vamos facilitar para você. Você escolheu a guerra, Ana. E os Oliveira nunca perdem uma guerra."

A porta se fechou, deixando um silêncio pesado para trás.

Eu não me sentia derrotada. Pela primeira vez em muito tempo, eu me sentia no controle. A guerra podia ter começado, mas desta vez, eu não era mais a vítima. Eu era uma sobrevivente. E eu ia lutar.

            
            

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