Eu parei de mastigar. Lucas. Um dos meus amigos de infância, herdeiro de uma das famílias mais poderosas da cidade. A mesma família que nos observava afundar sem mover um dedo.
"Uma união?", repeti, a palavra soando estranha e amarga na minha boca. "Você quer dizer um casamento?"
Minha mãe estendeu a mão sobre a mesa e segurou a minha. Sua mão estava fria.
"Querida, é uma oportunidade. Para... para nos reerguermos. A família deles pode nos ajudar a limpar o nome do seu pai."
A comida no meu prato de repente pareceu intragável. Senti uma onda de náusea. Eles não estavam me pedindo, estavam me implorando. A humilhação era palpável, uma nuvem densa sobre a mesa de jantar.
No dia seguinte, no restaurante luxuoso escolhido pela família de Lucas, a humilhação se tornou um espetáculo público.
Estávamos sentados em uma mesa grande, eu e meus pais de um lado, Lucas e seus pais do outro. O ar estava carregado de uma tensão desconfortável.
A mãe de Lucas, uma mulher com um sorriso frio e joias brilhantes, finalmente abordou o assunto.
"Sofia, querida. Soubemos da situação difícil de sua família. É uma pena, realmente. Seu pai sempre foi um homem de tanto talento."
Ela fez uma pausa, olhando para mim como se eu fosse um objeto em leilão.
"Lucas sempre teve um carinho especial por você. Pensamos que, talvez, um noivado pudesse ser... benéfico para todos."
Eu senti os olhares de todos no restaurante se voltando para nossa mesa. Meu rosto queimava.
Lucas, que até então estava quieto, mexendo no celular, soltou uma risada baixa e desdenhosa.
"Mãe, por favor", ele disse, sem sequer levantar os olhos. "Carinho? A gente só se divertia. Sofia era o brinquedinho do nosso grupo."
O mundo pareceu parar por um instante. O zumbido do restaurante desapareceu, e tudo que eu ouvia era o eco das palavras dele na minha cabeça. Brinquedinho.
"Lucas!", seu pai o repreendeu, mas sem muita convicção.
Lucas finalmente levantou a cabeça e me olhou diretamente, um sorriso cruel nos lábios.
"O quê? É a verdade. Agora que a família dela faliu, ela vem correndo atrás de um salvador? Desculpe, Sofia, mas eu não sou instituição de caridade. Não me interesso por mercadorias de segunda mão."
Lágrimas ardiam nos meus olhos, mas eu me recusei a deixá-las cair. Eu não daria a ele essa satisfação. Respirei fundo, a raiva me dando uma força que eu não sabia que tinha.
Levantei o queixo e forcei um sorriso.
"Lucas, acho que houve um mal-entendido", eu disse, minha voz surpreendentemente firme. "Agradeço a sua... oferta generosa. Mas eu preciso recusar."
A mãe dele me olhou, chocada.
"Recusar?"
"Sim", continuei, olhando diretamente para Lucas. "Eu já tenho um namorado. E ele, felizmente, não é um idiota arrogante."
Um silêncio chocado caiu sobre a mesa. O rosto de Lucas se contorceu de raiva. Ele não esperava por isso. Ele esperava súplicas, lágrimas. Não um desafio.
"Namorado? Quem?", ele cuspiu as palavras.
Eu dei de ombros, mantendo a calma.
"Alguém que você não conhece. Alguém que me respeita."
Era uma mentira, claro. Uma mentira desesperada nascida da humilhação. Mas naquele momento, pareceu a única arma que eu tinha para defender o pingo de dignidade que me restava.
Antes que alguém pudesse dizer mais alguma coisa, levantei-me.
"Com licença, mas acho que este jantar acabou."
Peguei a mão da minha mãe, que me olhava com uma mistura de espanto e orgulho, e puxei-a para se levantar. Meu pai nos seguiu, o rosto uma máscara de vergonha e alívio.
Enquanto caminhávamos para fora do restaurante, deixando Lucas e sua família boquiabertos, eu sabia que algo dentro de mim havia mudado para sempre.
Mais tarde naquela noite, no meu quarto, minha mãe veio falar comigo. Ela se sentou na beira da minha cama, os olhos cheios de lágrimas.
"Sofia, me perdoe", ela sussurrou. "Nós nunca deveríamos ter colocado você naquela situação. Nós só... estávamos desesperados."
Meu pai apareceu na porta, o olhar baixo.
"Sua mãe está certa. O que Lucas disse... foi imperdoável. Mas o que você fez... sua coragem... eu tenho tanto orgulho de você, filha."
Pela primeira vez em semanas, vi um vislumbre dos meus pais de verdade, não as figuras assustadas e derrotadas que eles haviam se tornado. Eles me amavam, e o desespero os levou a cometer um erro terrível. A raiva que eu sentia começou a se dissipar, substituída por uma tristeza profunda por tudo que havíamos perdido.
Eu os abracei, um abraço apertado e silencioso que dizia tudo que as palavras não conseguiam.
Depois que eles saíram, fiquei olhando pela janela, pensando em Lucas, em Bruno e em Pedro. O trio de herdeiros com quem eu cresci. Eu sempre acreditei que éramos amigos. Uma fantasia ingênua. Para eles, eu era apenas um passatempo, uma garota bonita de uma família rica que servia para enfeitar o círculo social deles. Agora que a riqueza se foi, o enfeite perdeu o valor.
A percepção era dolorosa, mas libertadora. A ilusão havia se quebrado, e eu via a realidade nua e crua.
A imagem do rosto furioso de Lucas voltou à minha mente. E depois a do meu pai, encolhido na cadeira, suportando o insulto. Uma nova onda de raiva me percorreu. Eu não aguentava mais ver meus pais serem humilhados.
Eu não sabia como, mas eu daria um jeito. Eu não ia mais ser a vítima. Não ia mais ser o brinquedinho de ninguém.
A mentira sobre ter um namorado foi um ato impulsivo, mas agora, parecia uma promessa. Uma promessa de que eu me reergueria por conta própria.