Com a minha experiência da vida passada, eu sabia quais tratamentos funcionavam e quais eram perda de tempo. Orientei os médicos, sugeri terapias alternativas que eles nunca considerariam e, acima de tudo, usei meu dom. Todas as noites, eu preparava para Lucas um pequeno manjar, uma mousse de maracujá com um toque de camomila e algo mais, algo que só eu podia adicionar. Lentamente, a sensibilidade começou a voltar para suas pernas. Era um progresso minúsculo, quase imperceptível para os outros, mas para mim, era um universo de esperança.
Um dia, um envelope grosso e elegante chegou pelo correio. Era um convite para o baile de gala anual do Hospital Beneficente, o maior evento social do Rio de Janeiro. Na minha vida passada, eu joguei fora. Desta vez, eu sabia que precisava ir. Era uma oportunidade de estabelecer novas conexões, pessoas que poderiam genuinamente ajudar Lucas e a mim, longe da influência tóxica dos Silva.
"Você tem certeza disso?", Pedro perguntou, segurando o convite. "Aquele lugar vai estar cheio de tubarões. E os Silva com certeza estarão lá."
"É por isso que eu vou," eu disse, escolhendo um vestido simples, mas elegante, do meu armário. "Preciso mostrar a eles que não tenho medo. E que não preciso deles."
A mãe de Clara, Beatriz, me ligou mais uma vez na noite do baile. Sua voz estava tensa.
"Luana, por favor. A condição de Clara está piorando. Ela... ela mal consegue sair da cama agora. O que quer que queiramos, nós pagaremos."
"Eu sinto muito por Clara," eu disse, e uma parte de mim realmente sentia. A Clara desta vida ainda não tinha me traído. "Mas minha decisão está tomada."
Desliguei antes que ela pudesse responder.
O salão de festas estava deslumbrante, um mar de cristais, sedas e joias. Eu me sentia um peixe fora d'água, mas mantive a cabeça erguida. Pedro, desconfortável em seu smoking, permaneceu ao meu lado. Não demorou muito para que eu os visse.
Clara Silva entrou no salão amparada por um homem alto e bronzeado, com um sorriso branco demais para ser real. Seu nome era Ricardo. Na minha vida passada, eu só ouvi falar dele depois que tudo desmoronou. Ele era um "terapeuta holístico", um charlatão que se aproveitava de pessoas desesperadas. E, aparentemente, o novo salvador de Clara.
Clara parecia frágil, mas seus olhos brilhavam com uma febre desafiadora. Ela usava um vestido vermelho berrante, uma tentativa clara de chamar a atenção. Ricardo a guiou até um grupo de pessoas, falando em voz alta o suficiente para que todos ouvissem.
"A medicina tradicional falhou com a Clara," ele disse, com um ar de superioridade. "Eles só sabem cortar e drogar. Mas a energia do corpo é uma força poderosa. Com minhas técnicas, Clara já está sentindo uma melhora tremenda. Em breve, ela estará dançando de novo."
Vários médicos no grupo, incluindo o chefe de neurocirurgia do hospital, olharam para ele com desprezo. Pedro bufou ao meu lado.
"Que palhaço. Ele está colocando a vida dela em risco."
Clara me viu do outro lado do salão. Ela sussurrou algo para Ricardo, e os dois vieram em nossa direção, abrindo caminho pela multidão.
"Ora, ora, se não é a famosa confeiteira milagrosa," Clara disse, sua voz pingando sarcasmo. "A que abandona os doentes para morrer."
"Eu não abandono ninguém, Clara," respondi calmamente. "Eu simplesmente escolho quem ajudar."
"E, claramente, você fez a escolha errada," Ricardo interveio, passando o braço possessivamente pela cintura de Clara. "Enquanto você se escondia, eu estava aqui, curando-a. O poder da mente e da energia positiva supera qualquer doce que você possa fazer."
Ele olhou para Pedro.
"E vocês, médicos, com seus métodos ultrapassados. Vocês são dinossauros. O futuro da cura está aqui." Ele apontou para a própria cabeça.
Pedro deu um passo à frente, furioso. "Você é um charlatão perigoso. O que você está dando a ela? Esteroides? Anfetaminas? Algo para mascarar os sintomas enquanto a doença progride?"
"Ciúmes, doutor?", Ricardo riu. "Porque eu posso fazer o que você não pode?"
Foi então que eu decidi intervir.
"É impressionante," eu disse, com um sorriso doce. "Sua confiança é quase tão grande quanto sua ignorância."
O sorriso de Ricardo vacilou.
"O que você disse?"
"Eu disse que é fácil fazer grandes afirmações," continuei, minha voz baixa, mas cortante. "Mas prová-las é outra história. Curar uma condição psicossomática com placebo é uma coisa. Curar uma doença degenerativa real... bem, isso requer mais do que palavras bonitas e energia positiva."
A multidão ao nosso redor ficou em silêncio, sentindo o cheiro de sangue na água.
O rosto de Ricardo endureceu. A raiva brilhou em seus olhos.
"Você está me desafiando?"
"Talvez," eu disse, dando de ombros.
"Então vamos fazer isso ser interessante," ele declarou, sua voz ressoando pelo salão. "Uma aposta. Em público."
Clara sorriu, um sorriso vitorioso e cruel. Era exatamente isso que eles queriam. Humilhar-me publicamente.
"Eu aposto que em um mês, Clara estará andando perfeitamente, curada por mim. E você... você não conseguirá nada com seus métodos inúteis."
"E o que eu ganho se você perder?", perguntei.
"Eu admitirei publicamente que sou uma fraude e nunca mais praticarei minha 'cura'," ele disse com desdém.
Um murmúrio percorreu a multidão. As apostas eram altas.
"Eu aceito," eu disse. "Mas com uma condição."
Todos os olhos se voltaram para mim.
"Eu não vou tentar curar a Clara."
Ricardo e Clara pareceram confusos.
"Eu vou escolher meu próprio paciente," continuei, minha voz clara e firme. "Alguém que seus amigos médicos," eu gesticulei para o grupo de doutores chocados, "já desistiram. Alguém em estado terminal ou em coma profundo. E se eu tiver sucesso e você não, você não apenas admitirá que é uma fraude. Você e a família Silva vão financiar uma ala inteira de cuidados paliativos e reabilitação neste hospital. Com o nome do meu irmão."
O queixo de Pedro caiu. O salão explodiu em sussurros. A aposta tinha acabado de se tornar lendária.
Clara me fuzilou com os olhos.
"Você está louca. Você vai falhar."
Ricardo, preso em sua própria arrogância, não podia recuar.
"Feito," ele rosnou. "Prepare-se para ser humilhada, confeiteira."
"Oh, não se preocupe," eu disse, olhando diretamente nos olhos de Clara. "A humilhação virá. Mas não será minha."
Eu me virei e saí, com Pedro ao meu lado, deixando para trás um salão em polvorosa e um casal cuja queda eu tinha acabado de arquitetar.