A Confeiteira da Revanche
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Capítulo 3

A notícia da aposta se espalhou como fogo. No dia seguinte, era a única coisa sobre a qual a alta sociedade do Rio falava. As opiniões estavam divididas, mas a maioria achava que eu tinha enlouquecido. Escolher um caso perdido? Era suicídio profissional.

"Luana, você tem certeza sobre isso?", Pedro me perguntou no dia seguinte, no pequeno café que abri perto do hospital. Era modesto, nada como minha confeitaria glamorosa da vida passada, mas era meu. "O Senhor Almeida? Ele está em coma há cinco anos. Falência múltipla de órgãos. Não há atividade cerebral detectável. É um caso impossível."

"Não para mim," eu disse, enquanto decorava um delicado entremet de lavanda e mel. Eu já tinha entrado em contato com a família Almeida. Miguel, o filho, era um arquiteto cético, mas sua mãe, Helena, estava desesperada o suficiente para tentar qualquer coisa. Eles concordaram.

"O que você vai apostar, Luana?", Clara perguntou, aparecendo na porta do meu café com Ricardo a tiracolo. Sua voz era zombeteira. "Que seus bolos vão ressuscitá-lo dos mortos?"

Ricardo riu. "Enquanto isso, a saúde de Clara melhora a cada dia. Ontem ela conseguiu ficar de pé por cinco minutos sem ajuda. Minhas terapias energéticas estão realinhando seus chakras."

Eu olhei para Clara. Havia um brilho febril em seus olhos, e suas bochechas estavam coradas de forma não natural. As mãos dela tremiam levemente. Eram os sinais que eu conhecia da minha vida passada, os sinais dos estimulantes que Ricardo estava lhe dando, mascarando a deterioração neurológica que acontecia por baixo.

"Tenha cuidado, Clara," eu disse suavemente, minha voz carregada de um aviso que só eu entendia. "Às vezes, quando você sobe muito rápido, a queda é muito maior. E as coisas que quebram nem sempre podem ser consertadas."

Ela apenas riu, desdenhosa, e se virou para sair, apoiando-se pesadamente em Ricardo.

A aposta se tornou um evento midiático. Sites de fofoca criaram contagens regressivas. Casas de apostas online abriram mercados sobre o resultado. Eu ignorei tudo.

Comecei meu trabalho com o Senhor Almeida. Todos os dias, eu ia ao hospital. Eu não falava com ele, não o tocava. Eu simplesmente sentava ao lado de sua cama e preparava uma pequena sobremesa. Uma mousse de chocolate amargo com pimenta, para estimular o que restava de seu sistema nervoso. Um sorbet de limão siciliano e manjericão, para limpar as toxinas. Um crème brûlée de baunilha, para acalmar a inflamação.

Eu não dava as sobremesas a ele. O aroma era o meu canal. Eu liberava a energia curativa da minha confeitaria no ar, uma onda invisível de restauração que penetrava na pele, nos pulmões, nas células. Era um processo lento e exaustivo. Todas as noites, eu voltava para casa sentindo como se tivesse corrido uma maratona.

Miguel Almeida me observava com uma mistura de ceticismo e fascínio. Sua mãe, Helena, chorava silenciosamente em um canto, sua esperança reacendida.

"Eu não entendo o que você está fazendo," Miguel me disse uma semana depois. "Mas... as enfermeiras disseram que a pressão arterial dele se estabilizou pela primeira vez em anos."

"É um começo," eu disse.

Duas semanas depois, Helena me ligou, sua voz embargada pela emoção.

"Luana! Você precisa vir! Agora!"

Corri para o hospital. Miguel e Helena estavam ao lado da cama, olhando para o monitor. Um dedo na mão do Senhor Almeida havia se mexido. Apenas um espasmo, mas era mais do que ele tinha feito em cinco anos.

"Obrigada," Helena sussurrou, agarrando minha mão, suas lágrimas molhando minha pele. "Obrigada, minha filha. Você nos deu esperança."

Miguel me olhou, seus olhos escuros cheios de uma nova emoção. Respeito. E talvez algo mais.

Naquela noite, encontrei Clara e Ricardo em um restaurante chique onde eu estava entregando uma encomenda. Clara estava rindo alto, contando a todos em sua mesa como ela logo estaria correndo uma maratona. Mas eu vi. Eu vi a maneira como sua mão errou o copo por uma fração de segundo. Eu vi o leve arrastar de seu pé esquerdo quando ela se levantou para ir ao banheiro.

"Sua amiga parece estar se divertindo," eu disse a Ricardo quando passei por sua mesa.

"Ela não é sua amiga," ele rosnou. "E ela está quase curada. Diferente do seu vegetal."

"Os sinais são sutis, não são?", continuei, ignorando seu insulto. "A perda de coordenação motora fina. O tremor que ela tenta esconder. A doença dela não está melhorando, Ricardo. Está se acelerando. O que quer que você esteja dando a ela, está apenas colocando mais combustível no fogo. Continue assim, e ela não vai precisar de uma cadeira de rodas. Vai precisar de um caixão."

O rosto de Ricardo ficou pálido. Pela primeira vez, eu vi uma sombra de medo em seus olhos. Ele sabia que eu estava certa.

Eu me virei e fui embora, deixando-o com a verdade venenosa que ele tentava tanto esconder. A contagem regressiva continuava.

            
            

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