A sala de reuniões, antes tensa, explodiu em aplausos discretos da sua pequena equipe. Foram meses de trabalho duro, noites sem dormir e uma pressão gigantesca. A empresa de design de sua esposa, Ana Clara, estava à beira da falência. Este contrato multimilionário não era apenas uma vitória, era a tábua de salvação que eles precisavam desesperadamente. Lucas, o arquiteto principal e a verdadeira força criativa por trás da empresa, tinha conseguido mais uma vez.
Ele voltou para o escritório sentindo um misto de exaustão e euforia. Ana Clara, a presidente da empresa, o esperava em sua sala, com uma expressão que ele não conseguiu decifrar.
"Conseguimos", disse Lucas, permitindo-se um sorriso cansado. "A empresa está salva."
"Eu sabia que você conseguiria, meu amor", disse Ana Clara, sua voz suave e controlada. Ela se aproximou dele, pegou sua mão e o fez sentar. "Você é meu herói. E todo herói merece uma recompensa."
O coração de Lucas aqueceu. Talvez agora, depois de salvar a empresa dela pela enésima vez, ele finalmente teria o reconhecimento que merecia. Ele pensou no relógio de luxo que vinha namorando há meses, um pequeno luxo que ele nunca se permitiu, sempre colocando as necessidades da empresa em primeiro lugar.
Ana Clara pegou uma caneta preta de sua mesa. Com uma delicadeza surpreendente, ela puxou o pulso dele e, com traços cuidadosos, começou a desenhar diretamente em sua pele. Lucas observou, confuso, enquanto a forma de um relógio de desenho animado, com ponteiros tortos e números grandes e infantis, tomava forma em seu pulso.
Ela terminou o desenho com um pequeno coração no centro e olhou para ele, seus olhos brilhando.
"Pronto. Um presente para o meu arquiteto genial."
Lucas ficou sem palavras, olhando para o desenho ridículo em seu pulso. A tinta preta parecia uma mancha humilhante.
"É uma piada?", ele conseguiu perguntar, a voz baixa.
"Ah, querido, não seja assim", disse ela, rindo como se ele fosse uma criança. "Você sabe que a empresa ainda está passando por dificuldades financeiras. É só um gesto simbólico. No próximo ano, quando as coisas melhorarem, eu te dou um de verdade. Eu prometo."
Aquelas palavras, "dificuldades financeiras", ecoaram na cabeça de Lucas. Eram as mesmas palavras que ele ouvia há anos, mesmo enquanto seus projetos traziam lucros enormes. Ele não discutiu. Apenas se levantou, sentindo um frio que não vinha do ar-condicionado.
"Estou cansado. Vou para casa."
Em casa, o silêncio do apartamento luxuoso era ensurdecedor. Lucas tomou um banho longo, tentando lavar a sensação da caneta em sua pele, mas a imagem do relógio de desenho animado estava gravada em sua mente. Era um símbolo perfeito de como Ana Clara o via: útil, talentoso, mas no fundo, uma criança que podia ser apaziguada com gestos vazios.
Ele se jogou no sofá e, por puro hábito, abriu o Instagram no celular. A primeira postagem em seu feed fez seu sangue gelar.
Era de Pedro Costa, o assistente pessoal de Ana Clara.
A foto mostrava Pedro encostado em um carro esportivo de luxo, um modelo alemão novíssimo que custava mais do que o salário anual de Lucas. O carro estava estacionado em frente ao prédio deles. Na legenda, Pedro escreveu:
"Obrigado, meu amor, pelo presente incrível! Você é a melhor do mundo e tornou meu sonho realidade. O verdadeiro amor da minha vida!"
Lucas deu zoom na foto. No reflexo polido da porta do carro, ele podia ver a silhueta de Ana Clara tirando a foto. O coração dele parou por um segundo e depois começou a bater de forma descontrolada e dolorosa no peito.
Dificuldades financeiras.
A frase dela era uma faca girando em seu estômago. Não havia dinheiro para um relógio de verdade para o marido que acabara de salvar a empresa, mas havia uma fortuna para um carro de luxo para o assistente pessoal dela.
"O verdadeiro amor da minha vida."
A bile subiu pela garganta de Lucas. Ele leu os comentários. Eram todos de amigos de Pedro, parabenizando-o, invejando-o. Um deles dizia: "Uau, sua chefe é generosa demais, hein? ;)"
Sem pensar, com os dedos tremendo de uma raiva fria e lúcida, Lucas apertou o ícone do coração. Ele curtiu a postagem.
Não demorou nem trinta segundos. Seu celular começou a tocar. Era Ana Clara. A voz dela, quando ele atendeu, era um misto de pânico e irritação.
"Lucas? Por que você curtiu a foto do Pedro? Você está tentando insinuar alguma coisa?"
Lucas permaneceu em silêncio, ouvindo a respiração dela do outro lado da linha.
"É só um carro, Lucas. Um bônus pelo trabalho duro dele. Você sabe como ele tem sido essencial para mim, me apoiando em tudo. Não seja paranoico."
Um bônus. Um carro esportivo de luxo como bônus para um assistente, enquanto o arquiteto que garantiu o futuro da empresa ganhava um desenho de caneta no pulso. A hipocrisia era tão descarada que chegava a ser surreal.
Ele finalmente encontrou a voz, e quando falou, ela saiu calma, gelada e irrevogável.
"Ana Clara."
Ele fez uma pausa, saboreando o poder daquelas próximas palavras.
"Vamos nos divorciar."