Lucas não respondeu. Ele apenas desligou o telefone. Ele se encostou no sofá, fechando os olhos. O cansaço que sentia antes era físico, agora era uma exaustão de alma.
A mente dele começou a vagar pelo passado, pelos cinco anos de casamento. Ele se lembrou do início, quando Ana Clara era apenas uma gerente ambiciosa e ele, um jovem arquiteto cheio de sonhos. Ele a amava, admirava sua garra. Foi ele quem a incentivou a abrir a própria empresa. Ele trabalhou de graça por quase dois anos, usando seu talento para construir o portfólio e a reputação da "Empresa Ana Clara Design".
Todos os grandes clientes, todos os projetos premiados, todos tinham a assinatura criativa dele. Mas o nome na porta era o dela. Os lucros iam para a conta dela. E ele, o ganso dos ovos de ouro, era mantido por perto com promessas vazias e tapinhas nas costas.
Ele se lembrou de todas as vezes que pediu um aumento, ou uma participação societária, algo que refletisse seu valor real.
"Agora não, querido", ela sempre dizia. "A empresa precisa reinvestir. Temos que ser inteligentes. Confie em mim."
E ele confiava. Porque ele a amava. Ou pensava que amava. Agora, olhando para trás, ele via que era dependência, um hábito. Ele estava tão focado em construir o império dela que se esqueceu de construir a si mesmo.
O barulho de notificações em seu celular o tirou de seus pensamentos. Ele abriu o aparelho e viu que a postagem de Pedro estava explodindo de uma maneira diferente.
Membros da sua equipe de design, seus colegas leais, tinham visto a curtida dele. E agora, eles estavam agindo.
Sofia, sua designer sênior, comentou diretamente na foto do carro: "Uau, que bônus generoso! Enquanto isso, o gênio que acabou de salvar a empresa com um contrato milionário ganhou um relógio de caneta. A meritocracia aqui é diferente, né?"
Outro arquiteto júnior, Rafael, postou: "Parabéns pelo carro, Pedro. Deve ter sido por aquele seu projeto inovador de... ah, espera, qual foi mesmo?"
Os comentários eram ácidos, irônicos e diretos. Eles não o mencionavam pelo nome, mas todos na empresa sabiam exatamente do que estavam falando. Estavam defendendo-o. Um calor inesperado se espalhou pelo peito de Lucas. Ele não estava sozinho.
Seu telefone tocou novamente. Era Ana Clara, e desta vez, não havia risada em sua voz. Havia fúria pura.
"Lucas, o que diabos você fez? Mande sua equipe apagar esses comentários agora mesmo! Eles estão humilhando o Pedro! Eles estão me humilhando!"
Era impressionante. A preocupação dela não era com o marido que ela havia traído e humilhado. Não era sobre o pedido de divórcio dele. Era sobre a imagem pública do seu amante.
"Eles estão apenas dizendo a verdade, Ana Clara", disse Lucas, sua voz ainda calma.
"Verdade? Que verdade? Você está envenenando minha equipe contra mim! Eu exijo que você controle seus cachorrinhos! Se eles não apagarem isso em cinco minutos, todos eles estarão na rua amanhã!"
A ameaça pairou no ar. Lucas sentiu a raiva finalmente quebrar sua barreira de gelo.
"Você não vai tocar na minha equipe."
"Sua equipe? Eles trabalham para a minha empresa! Eu sou a chefe! Eu decido quem fica e quem sai!"
Nesse momento, uma memória específica veio à mente de Lucas com uma clareza dolorosa. A memória do dia em que Pedro foi contratado.
Pedro não tinha nenhuma qualificação. Seu currículo era medíocre, com passagens curtas por empregos irrelevantes. O RH havia recomendado veementemente contra a contratação dele para o cargo de assistente pessoal da presidência.
Lucas se lembrava da discussão que teve com Ana Clara.
"Ele não tem experiência, Ana. Por que você insiste nele?"
"Você não entende, Lucas", ela disse na época, com um ar de mistério. "Ele tem um talento que não está no papel. Uma... inteligência emocional rara. Ele me entende. Ele vai ser um grande trunfo."
Inteligência emocional. Agora Lucas entendia que tipo de "inteligência" e que tipo de "emoções" estavam envolvidas. Ele havia sido cego por tanto tempo. Ela não o contratou apesar da falta de qualificações. Ela o contratou por causa do relacionamento deles. Ela o colocou dentro da empresa, bem debaixo do nariz do marido, e usou os lucros gerados por Lucas para mimá-lo.
A percepção o atingiu como um soco. Não era apenas uma traição. Era um esquema. Um longo e humilhante esquema onde ele era o financiador involuntário do caso de amor da sua própria esposa.
"Lucas? Você está me ouvindo?", gritou Ana Clara no telefone. "Resolva isso agora!"
"Não", disse Lucas, sentindo uma clareza que não sentia há anos. "Eu não vou resolver nada. O problema não é meu, Ana Clara. É seu."
E com isso, ele desligou o telefone novamente, bloqueando o número dela.