Ele se lembrou de como Ana Clara defendeu a criação de um "orçamento de desenvolvimento pessoal" especificamente para Pedro, que ele usou para fazer cursos caros de sommelier de vinhos e fotografia, hobbies que não tinham absolutamente nenhuma relevância para suas funções como assistente. Na época, ela argumentou que isso "ampliaria os horizontes dele e o tornaria um profissional mais completo". Outros funcionários que pediram apoio para cursos de MBA ou especializações em design foram recebidos com a desculpa padrão de "restrições orçamentárias".
O tratamento dispensado a Pedro era um contraste brutal com a forma como Ana Clara tratava o resto da equipe. Lucas se lembrou vividamente de uma reunião geral, cerca de seis meses atrás. A chefe do departamento de RH, uma mulher competente e dedicada chamada Helena, cometeu um pequeno erro em um cálculo de folha de pagamento, um erro que foi corrigido em menos de uma hora e não causou nenhum prejuízo.
Ana Clara a humilhou na frente de toda a gerência.
"Como posso confiar em você com o bem-estar dos meus funcionários se você não consegue fazer uma conta básica?", ela disse, a voz gélida. "Sua incompetência é um risco para esta empresa."
Helena, uma profissional com quinze anos de experiência, ficou pálida e pediu demissão na semana seguinte. Na época, Lucas achou que Ana Clara estava apenas sendo excessivamente rigorosa, uma perfeccionista. Agora ele via a verdade: a crueldade dela era seletiva. Ela era implacável com qualquer um que não fizesse parte de seu círculo íntimo de favoritismo, enquanto Pedro podia fazer o que quisesse. Ele frequentemente chegava atrasado, entregava relatórios malfeitos e tinha uma atitude arrogante com os outros funcionários, mas Ana Clara nunca disse uma palavra. Pelo contrário, ela o defendia. "Pedro está sob muita pressão, sejam mais compreensivos."
A vingança de Ana Clara pela insubordinação online não demorou a chegar. Na manhã seguinte, um e-mail oficial foi disparado para toda a empresa. O assunto era "Reestruturação de Projetos e Otimização de Recursos".
O conteúdo era uma declaração de guerra velada.
O e-mail anunciava que, devido a "novas diretrizes estratégicas", o grande projeto que a equipe de Lucas acabara de ganhar seria temporariamente supervisionado por outro departamento, menos qualificado. A equipe de design de Lucas, incluindo Sofia e Rafael, os que fizeram os comentários online, foi redesignada para trabalhar em "manutenção de projetos antigos e de baixa prioridade". Era o equivalente corporativo de ser mandado para limpar o porão.
Para piorar, o e-mail anunciava um novo sistema de bônus, que agora seria atrelado a "indicadores de lealdade e comportamento corporativo positivo", uma cláusula vaga e ameaçadora que todos sabiam a quem se dirigia. E, no final, a cereja do bolo: Pedro Costa era promovido a "Gerente de Projetos Especiais", um cargo inventado que vinha com um aumento salarial significativo.
Lucas estava em sua sala quando o e-mail chegou. Ele leu cada palavra, sentindo a raiva se transformar em um gelo pesado em suas veias. Ela não estava apenas o punindo, estava tentando quebrar o moral de sua equipe, isolá-lo, mostrar a todos o preço de desafiá-la.
O chat em grupo da equipe de design começou a apitar sem parar.
Sofia: "Vocês viram isso? É uma piada de mau gosto."
Rafael: "Manutenção de projetos antigos? Ela quer que a gente morra de tédio?"
Outro designer: "Gerente de Projetos Especiais? Que projetos? Escolher o vinho para o almoço dela?"
Um estagiário: "Eu não acredito nisso. O Lucas liderou a gente pra ganhar o maior contrato da história da empresa e a recompensa é essa?"
Sofia enviou uma mensagem privada para Lucas.
Sofia: "Lucas, estamos com você. Não importa o que essa bruxa faça. Isso é um absurdo completo. Ela está fazendo isso para te atingir."
Lucas olhou para a tela, lendo as mensagens de apoio e frustração. Ele sentiu uma pontada de culpa. A lealdade deles estava lhes custando caro. Eles estavam sendo punidos por causa dele.
E então, ele entendeu o jogo de Ana Clara em um nível mais profundo.
Ela sabia que ele era leal à sua equipe. Ela sabia que ele os via como mais do que apenas funcionários; eles eram seus colegas, seus protegidos. Ao puni-los, ela não estava apenas se vingando. Ela estava criando uma nova forma de controle sobre ele. Ela estava usando a lealdade e o senso de responsabilidade dele como uma arma.
A mensagem era clara: "Fique na linha, Lucas, ou as pessoas com quem você se importa vão pagar o preço. Volte a ser o meu cachorrinho obediente, e talvez eu alivie a punição deles."
Ela achava que podia encurralá-lo, que o amor dele por sua equipe o forçaria a se submeter, a engolir o orgulho, a aceitar a humilhação e o adultério, tudo para protegê-los.
Ela estava errada.
A tentativa de manipulação teve o efeito oposto. Em vez de sentir-se encurralado, Lucas sentiu-se libertado. A última corrente que o prendia àquela empresa, seu senso de dever para com Ana Clara, havia se quebrado. Seu dever agora era para com as pessoas que confiavam nele, que o defendiam, que estavam sendo injustiçadas por causa dele. E a melhor maneira de protegê-los não era se submeter.
Era tirá-los de lá.