Mudei-me para a villa da Fiona, um palácio de vidro e betão com vista para o rio Douro. O meu papel era claro: eu era a criada. A Fiona, recuperando dos seus ferimentos, deleitava-se em humilhar-me.
No primeiro dia, ela "acidentalmente" deixou cair um brinco de diamante na piscina gelada.
"Raelyn, querida, podias ir buscá-lo para mim? É tão importante."
Era inverno. A água estava gelada. Mas eu entrei, o frio a cortar-me a pele, e procurei o brinco no fundo da piscina. O Kieran observava da varanda, sem dizer uma palavra.
Noutro dia, ela exigiu que eu descascasse um cesto inteiro de castanhas para ela, à mão. No final do dia, os meus dedos estavam em carne viva, a sangrar.
"Oh, querida, estás a sujar o chão," disse ela com um sorriso falso.
O Kieran entrou na sala, viu as minhas mãos e apenas disse: "Vai limpar-te. Estás a fazer uma confusão."
A sua indiferença era mais dolorosa do que qualquer ferida física. Ele via o meu sofrimento, mas não se importava. Eu era menos do que nada para ele.
A pior humilhação foi quando ela me obrigou a cuidar do seu gato persa, sabendo perfeitamente que eu era severamente alérgica a pelo de gato. Os meus olhos incharam, o meu nariz não parava de escorrer, e eu mal conseguia respirar. Mas eu continuei a escovar o gato, a limpar a sua caixa de areia, a suportar o meu próprio inferno pessoal.
Uma noite, enquanto o Kieran e a Fiona jantavam na varanda, rindo e conversando como se eu não existisse, eu estava na cozinha, a tentar comer um pouco de sopa. A minha alergia estava no auge, e eu sentia-me febril.
De repente, a Fiona gritou.
"O meu colar! O meu colar de pérolas desapareceu!"
O Kieran correu para dentro. A Fiona apontou para mim, os seus olhos cheios de lágrimas de crocodilo.
"Foi ela! Eu vi-a a olhar para ele o dia todo!"
"Eu não fiz nada," gaguejei, a minha voz rouca por causa da alergia.
O Kieran agarrou-me pelo braço, a sua raiva a explodir.
"Ladroa! Eu sabia que não podia confiar em ti!"
Ele arrastou-me para fora de casa e atirou-me para a rua, sob a chuva torrencial que tinha começado a cair.
"Desaparece da minha vista!" gritou ele.
A porta bateu-se com força. Fiquei ali, encharcada e a tremer, a febre a queimar-me por dentro. A minha visão ficou turva, e eu caí no chão, inconsciente.
No meio da escuridão, sonhei com o Tiago. Ele estava a sorrir para mim, a estender a mão.
"Raelyn, o que estás a fazer? Porque estás a sofrer tanto?"
"Tiago," chorei no meu sonho. "Estou quase a conseguir. Eu vou trazer-te de volta. Eu prometo."